God is a Woman

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                                                                                         1988

                Desde nossa última batalha, notei Angelique sempre chegando cedo para prender os enormes cabelos loiros num coque bem apertado e conferir se estava bem preso. Sendo filha de bailarina, nunca tive a chance de usar meu cabelo solto durante o dia, tanto eu quanto Lana éramos ordenadas a usar o coque o dia todo e soltar apenas para dormir.

                        Hoje ambas trabalhariam. Madame Adrienne alternava entre nós, um dia do cisne branco, eu, e outro do cisne negro, ela. Hoje, contudo, cada uma de nós apresentaria seu solo. Tinhamos tempo de ensaiar sozinhas enquanto Madame Adrienne dava aula para o resto da turma, dessa forma,  Angelique e eu estavamos sozinhas no palco nos preparando para a apresentação. 

                          Angelique abriu um espacate no chão de madeira enquanto eu fazia a ponta do meu pé chegar a palma da minha mão acima da cabeça. Eu a observei, ela sabia que eu tinha um certo receio com ela, principalmente pela forma como éramos propagadas: Rivais. Suspirei, Lana e eu éramos filhas da mesma mulher, mas minha irmã sabia fazer amizades e conversar e eu não... Qual era o meu problema? 

                          Afastei o pensamento e me pus a observar minha rival, ela levantou de seu espacate e remexeu na bolsa que trazia todas as aulas e de lá tirou um... Toca fitas? Parei meus movimentos e a observei colocar os fones de ouvido antes de começar a dança. Apesar de reconhecer os passos de balé, não identifiquei nenhuma coreografia e nem mesmo parecia balé. Mas o rosto de Angelique assumia total felicidade, era isso que ela estava passando para mim naquela dança tão diferenciada.

                          —   Angelique!  — Me arrependi de ter chamado depois de fechar boca. Ela se virou e me encarou confusa.  — O que está fazendo? 

                        Quando me tornei tão inteometida? Ela é minha rival, não posso ficar conversando com ela.

                        — É assim que eu treino, dança livre, ajuda na concentração e no alongamento. 

                      Ela me disse com um pequeno sorriso, Angelique parecia mesmo querer se enturmar comigo, o que era estranho e novo para mim. Talvez eu tenha demorado muito para responder, pois ela arqueou uma sobrancelha e tentou de novo: 

                       — Quer tentar? 

                       — Eu... Eu não aprendi isso, quando a Madame ensinou?  — Admitir meus erros era sempre difícil. Eu me sentia culpada.

                       — Hm... Eu sempre soube que você era assim, não sei porque me surpreendo.  — Disse mais para si do que para mim.

                        — Do que está falando?  — Tentei soar ultrajada, mas não sei se minha voz saiu no tom certo. Espero que ela não veja minhas fraquezas. 

                        — Você faz as regras na dança livre. Mas, parece que está tão ocupada em seguir as regras dos outros que não consegue criar as suas.  — Devo ter feito cara de espanto  — Não faça essa cara, não vou contar a ninguém, isso parece importante para você. 

                        Angelique esperou uma reação minha, mas tudo o que lhe dei foi um suspiro cansado. Novamente ela tomou a frente:

                        — Quer conversar?   — Ofereceu de repente, eu não esperava isso e ainda não confiava nela.  — Eu não mordo. Não nesse caso, juro. 

Sob o céu estrelado (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora