Não gosto do que você se tornou

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 2023

         O frio sumira, assim como a ilusão do passado, minha garganta se abriu e eu conseguia respirar de novo, mas, por mais que me esforçasse, não conseguia me lembrar quando e como havia chegado as ruínas do Gold Teather...

         Ruinas que foram se reconstruindo a medida que meus sapatos se chocavam contra a calçada de pedra fazendo um leve barulho. 

         A música crescia aos poucos. Giselle. A sequência que nunca pude concluir.

          Foi nesse momento que meu cérebro se agitou racionalmente sobre como era estranho que estivesse como me lembrava. As mesmas luzes e cartazes da noite trágica.

           A surpresa invadiu meu ser e se fez presente em meu rosto ao notar que o espaço estava completamente vazio, como se eu fosse a única presente.

          Ploc!

          O som da sapatilha se chocando ao palco de madeira me fez erguer o rosto com velocidade para encarar a bailarina que formava a conhecida sequência no palco.

           Não... Não uma bailarina qualquer... Eu formava a sequência no palco... Era eu quem vestia Giselle e dançava para o público inexistente... Era exatamente como na noite do...

           — Não gosto do que você se tornou. — Sua declaração me distraiu dos pensamentos e fez meus ossos gelarem.

           Ploc!

           A jovem Natasha pousou no palco após um salto perfeito e abandonou a coreografia para caminhar até onde eu estava na passarela principal, sustentava meu olhar com a dureza de um diamante. Postura rígida. Olhos ardentes.

            — No fundo... sempre soubemos que jamais nos casaríamos. — Contei a mim mesma. Fria como uma nevasca.

             — O que te faz pensar que eu falei sobre casamento? — Nunca achei que eu fosse tão respondona. Pelo visto, a jovem Natasha achara alguém para descontar sua raiva : Ela mesma, só que mais velha. Eu.

               — Dividimos o mesmo cérebro. — Respondi, desinteressada.

              — Uma vez mamãe disse que a resposta para tudo sempre seria não, exceto para o balé, nesse caso, sempre diríamos sim. E você se tornou deplorável.

                — Não podemos mais dançar! — O nervosismo tomou conta de mim quando a necessidade de uma resposta veio.

                — Sei disso! Você mesma disse que dividimos o mesmo cérebro! — Sempre fui impetuosa, mas nunca deixava a tempestade sair de dentro de mim... Era a primeira vez... — Você teve coragem de dizer não para nós! Mesmo quando a liberdade nos levou embora!

               — Temos um bom emprego! — Tentei justificar. Natasha de 21 anos estava certa, mas nem para ela eu admitiria isso.

               — Você disse não para a única pessoa que disse sim para quem a gente era sem sapatilhas de ponta!!! — Sua acusação veio numa voz embargada e foi tudo o que ouvi.

              Não consigo pôr em palavras o que vi, não sei dizer se fui acometida por uma cegueira repentina quando pisquei, mas só pude compreender que havia acordado ao notar milhares de luzes na direção de meu olhar.

               — ... Consegue me ouvir? Natasha...? Está ouvindo? — De onde eu conhecia a voz melodiosa e preocupada, me chamando?

             Virei a cabeça para ver meus irmãos olhando para mim preocupados. Lana estava pálida como um fantasma enquanto segurava minha mão direita, acho que esperava uma resposta. Josh estava ao lado de nossa irmã mais nova, também preocupado, ele parecia pronto para segurar Lana caso ela caísse. Ela parecia prestes a cair.

Sob o céu estrelado (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora