Nuestra canción

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                                                                                   1988 

           Depois daquela noite, Angelique e eu começamos a "trocar figurinhas" como ela chamava. Madame Adrienne imaginava que estavamos treinando cada uma de um lado da sala de dança enquanto nós uníamos forças e treinávamos a nossa própria maneira.

            Meus treinos favoritos eram o que chamávamos de espelho, combinávamos um solo e fazíamos uma de frente para a outra. Assim, corrigíamos os erros.

               Sua cabeça não dói de ficar o dia todo de coque? — Questionou Angelique de repente. 

           Ela costumava exibir orgulhosamente os fios dourados e, para o desgosto de Madame Adrienne, Angelique aparecia todas as manhãs com os cabelos libertos para amarrar na frente de nossa tutora.

            — Respondo se me responder porque vem todos os dias com os cabelos soltos. Você não vê como a Madame fica furiosa quando bate o olho em você? É por isso.  — Joguei a perna para o alto contando 10 vezes até que batesse na mão posicionada ao topo da minha cabeça.

                          — Por isso mesmo, resistência. — Respondeu treinando piruetas. 

                          — Resistência? — Me aproximei dela. 

                          — Natasha, você realmente não vê muita coisa ao seu redor não é? 

                          Quis responder que tudo o que sempre importou para mim era seguir com o legado da família ou eu sentiria que teria falhado com o único propósito para o qual havia nascido, mas ainda me sentia culpada por estar desobedecendo minha mãe e fazendo amizade com Angelique, então deixei o fato de fora e esperei que continuasse: 

                        — Eu sou bolsista de nacionalidade espanhola e com um sotaque marcado. Não está óbvio que Madame Adrienne é patriota e me odeia? O "problema" é que sou boa demais e nem ela pode dizer ao contrário. Por isso competimos e confesso, é super satisfatório quando ela ferve como uma chaleira só de ver meus cabelos. — Angelique riu e foi contagiante, eu tinha que admitir, ela estava certa. 

                       — Bom, como eu te disse, minha mãe espera que eu seja a próxima Aubert a fazer história. Minha vida sempre foi o balé, não conheço nada além disso. Eu me acostumei a ficar de coque desde que me entendo por gente, então a maior parte do meu tempo fico assim e nem percebo. 

                      Angelique pareceu reflexiva. Talvez tivesse lido nas entrelinhas, ela certamente era perspicaz. Tive que pensar rápido:

                      — Sabe, seria legal se você não se sentasse durante as coreografias. Sei que parece cansativo, mas se você se sentar, seu corpo vai entender que terminou e seu desempenho vai cair um pouco. Então, na próxima aula que tivermos com a turma toda, não descanse, vai se sair bem melhor. 

                   Angelique assentiu murmurando um "Gracias" que eu sabia ser um agradecimento em sua língua materna por causa das aulas obrigatórias de espanhol do ensino médio. Ela sabia que era sua vez de retribuir a minhas dicas: 

                    — Tudo bem, o balé é um espetáculo de duas partes : A coreografia e a atuação. Você sabe disso. A coreografia você domina  mais do que perfeitamente, mas a atuação requer sentimentos e acho que falta muito disso em você. Não estou dizendo que é insensível, — Emendou rapidamente — longe disso, acho que na verdade você tem muito a contar, mas não sabe como. 

Sob o céu estrelado (Sáfico)Onde histórias criam vida. Descubra agora