P R Ó L O G O

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O frio perverso atravessava as fibras das duas camisas de algodão e do casaco grosso de lã marrom. O chão úmido e escorregadio machucava seus joelhos e palmas das mãos. A escuridão era tanta que seus olhos choravam pelo esforço da tentativa de enxergar.

A posição pisava em seu orgulho, porém nada impediria de conseguir tudo o que queria.

Apesar da temperatura baixa, seu sangue carregava uma quantidade absurda de adrenalina, fazendo o suor brotar entre os fios róseos e escorrer das têmporas para o queixo e então se perder no breu completo, até se chocar contra o chão rochoso.

As mãos trêmulas denunciavam mais que uma ansiedade em acréscimo a cada farfalhar pesado, a cada respiração condensada, a cada bombear frenético do coração. O tremor também era sinal de medo, emoção essa que gritava atrocidades à parte racional de sua massa encefálica.

Razão explanava fuga.

Sua esperança sussurrava tentativa.

Até aquele presente momento, enquanto rastejava em direção ao incerto, alimentava aquele fogo chamado esperança com positividade. Quando sua vila foi destruída por um dragão nortenho de duas caldas, ele teve esperança. Quando seus olhos contemplaram a fome, ele brincou com a esperança. Quando seus pais morreram e posteriormente foi expulso da Instituição de Ensino, ter esperança fora sua única chance.

Por isso não podia deixa-la morrer, mesmo que aquele sentimento, antes acolhedor, tivesse se transformado em um monstro cruel e feio, não podia deixar esse monstro morrer.

Nikolos era um Sobrenatural mediano. Não tinha grande conhecimento sobre magia e seu domínio sobre tal força era básico o bastante para se defender de criaturas predatórias.

Aos 28 anos não tinha realizado grandes feitos, ou carregava uma aparência digna de ser relatada, era alguém completamente comum. Tinha um trabalho medíocre, onde o pagamento vinha junto de constantes humilhações, embrulhado com alguns fulins¹ que não valiam tanto a ponto de fechar sua boca para alguns crimes que seu patrão cometia.

Por isso tinha permissão para ter qualquer uma das garotas que moravam no Brancaza², apenas não podendo machuca-las, ou ter mais de uma ao mesmo tempo.

Nikolos estava cansado da pobreza, da fome e de contar a quantidade de alimento. Queria ter conforto e paz, não somente o monstro cruel e feio, ter esperança não estava lhe bastando há um bom par de dias. Por isso estava ali, esfolando os joelhos nas rochas. Rasgando sua dignidade ao rastejar como um animal imundo.

Há três noites um amigo que fizera na acolhedora³ lhe procurou com uma proposta um tanto arriscada, para não dizer tola; irem até o Monte Gelado para roubar pedras preciosas.

Todo Sobrenatural que respirava sabia que aquele era o covil de fadas sanguinárias e territorialistas. Haviam boatos escabrosos sobre morte e tortura aos homens que se arriscavam.

— O que tens a perder?

Seu amigo lhe perguntara e embora tenha procurado motivos para não aceitar, revirando os cantos de sua mente atrás de qualquer ínfima razão, não as achou. Até mesmo seu senso de proteção tinha lhe escapado.

Nada tinha a perder e sua vida não valia preocupações. Então somente duas pessoas sabiam que ia em uma jornada quase suicida; Javier, o amigo e companheiro de viagem e Amélia, sua néx⁴ favorita.

Nikolos chocou o rosto contra um obstáculo, elevando a adrenalina, porém um murmúrio de seu parceiro acabou por revelar ser ele o tal obstáculo.

— Por que parou? – questionou.

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