┌┘SETE└┐

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Curtinho e sem revisão

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Abel não lembrava de ter desmaiado, porém acordou num repente, como se uma descarga elétrica tivesse lhe atravessado. Abriu os olhos, demorando segundos intermináveis para identificar a floresta e lembrar de todos os acontecimentos, assim como focar na criatura humanoide que caminhava ao seu encontro. Ele só tinha visto um tetramano em toda a sua vida e sabia que eram caçadores engenhosos e solitários, então talvez tivesse alguma chance.

Todavia, seu cérebro logo o lembrou de Petros e a rota foi mudada; ele não precisava sobreviver, sim ganhar tempo até o menino chegar ao vilarejo, ou pelo menos ao rio.

Desviou os mirantes do predador, que ainda caminhava lento sobre suas pernas magras e feridentas, com uma calma alarmante e segurando firme um porrete sangrento; e focou em si próprio por um instante. O desmaio o levou ao chão repleto de vegetação úmida, quebrando a armadilha, e agora a estaca que o atravessava se enterrara até o último dente. De modo que aquela madeira de diâmetro semelhante ao de um braço adulto estava quase fora, faltando pouco menos que 4cm para sair completamente. Também tinha a toxina que infectava seu corpo, a qual desconhecia.

Fitou o monstro de pele esverdeada e teve os dois pares de olhos perfurando-o com uma atenção tão centrada que coagia. Viu a língua comprida e rosada percorrer os lábios ressecados e derramar saliva grossa, o que lhe desencadeou asco.

Experimentou mover o braço, mas os comandos do cérebro demoravam segundos inteiros até chegar ao devido lugar e quando o membro respondia, toda a carne parecia pesada e grossa ; e isso devia ser efeito do veneno. Sua mente não parecia atingida, apenas o corpo, tanto que o buraco aberto pela estaca doía bem menos do que se podia esperar de um ferimento daquele porte.

Abel não podia deitar de costas no chão, pois o pau da armadilha não deixava e o ângulo em que se encontrava ali, não permitia puxar a madeira de uma vez; ele precisava levantar ou ao menos sentar para então tomar coragem de arrancar aquilo de si.

Ordenou ao outro braço para este se mover e contorceu o tronco em uma tentativa de erguer-se.

O tetramano estancou os próprios passos apenas surpreso com a força daquele Sobrenatural. O veneno que espalhara na armadilha era forte o bastante para paralisar completamente qualquer presa, vê-la esforçando-se tanto e conseguindo se mexer só podia significar que não podia subestimar.

O Leneu cravou o joelho direito no chão, forçando o resto do corpo a acompanhar o movimento e sentindo todo aquele peso se estendendo por seus músculos. Tentou engolir saliva e falhou miseravelmente, tendo certeza de que obteria fracasso caso tentasse algum feitiço; estava mais que óbvio que as cordas vocais e língua estavam travados.

Esticou o braço para trás ao mesmo tempo que os olhos registraram a movimentação do predador, este que abandonara a lerdeza e já corria com velocidade considerável para alguém tão magro.

Abel pensou em Petros, usando a imagem de um possível recomeço entre eles como estímulo para a ação seguinte que precisava ser realizada. Fechou as palmas ao redor da estaca e puxou; o veneno retardando o deslizar e prolongado aquela queimação dolorosa, enquanto o monstro chegou perto o bastante para erguer o porrete, levantando-o acima da cabeça e baixando de encontro a têmpora da presa, covardemente indefesa.

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Os gritos de dor eram altos o suficiente para viajarem por todo o casarão até preencherem a audição dos ouvintes, principalmente daquele cuja a mão era apertada durante o trabalho de parto. Abel respirava descompassado, sentado atrás de Yumi como ordenara o médico, na verdade; o médico lhe mandara esperar na sala, junto de Alexandre, mas a grávida, a mais aflita ali dentro; exigira sua presença e ele não pôde negar, não queria negar. E a ordem ocorrera onze horas antes, no início de tudo.

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