┌┘OITO└┐

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Sem revisão

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Não viu a explosão abrupta de magia rubra romper a barreira física do corpo do garoto, para atingir o tetramano com milhares de cristais sólidos e mortalmente afiados. Abel não viu a aura vermelha acender e brilhar no centro do peito do filho e expandir por todo o corpo, mudando o preto do seu cabelo para fios brancos, exalando pureza.

No entanto ele sentiu.

Sentiu a pele pinicar e os pelos eriçarem, milésimos antes do pulso energético potente atingir todas as direções, espalhando o cheiro forte e fresco de mel. Cheiro de magia. Em seguida o silêncio tenso esticado como um elástico.

Foram segundos, que somados não chegariam a quatro.

Hesitante, o Leneu abriu os olhos, cravando-os no rosto de seu primogênito; vivo, aflito e chocado.

— Pai! Não foi culpa minha – Petros berrou, ainda amarrado, exprimindo tanto medo que comovia.

Abel piscou lento. Enxergou o corpo morto do monstro cravejado por aqueles rubis de magia, que atingiam somente ele. O cadáver tombado para o lado, parcialmente caído sobre o garoto, enquanto este exibia surpresa culpada.

Ele lamentou.

Queria dizer que, apesar de imitar uma pessoa, tetramanos não eram humanos; que Petros não tinha culpa, que fora necessário. Que não ficasse assustado.

O menino, ainda cheio de adrenalina e sentimentos que não sabia catalogar, deixou a cabeça pender contra o chão, enquanto um peso sufocante ameaçava lhe roubar a respiração. De olhos fechados; lembrou de Katherine e seu sorriso banguela.

— Ele ia me matar – murmurou, a face se contorcendo em um choro calado e trêmulo; agora ele entendia um pouco mais da morte e o peso que ela tinha. — Ele ia me matar.

° ° °

O silêncio reinava em absoluto, como um senhor vil e impiedoso que sabe de sua soberania e dos pecados mais sombrios de cada um presente na choupana mal acabada; gritando-os sem palavras e esmagando contra a carne de ambos: culpa, vergonha e arrependimento escorrendo junto do sangue viscoso do monstrengo, sangue este que manchava a criança muito além do tecido que o vestia.

Petros livrou-se do cadáver caído sobre si, depois das amarras dos pulsos e da mordaça que ainda envolvia seu pescoço. Levantou-se, engoliu o choro e limpou as lágrimas, pondo-se a procurar qualquer coisa que pudesse usar como alimento para uma fogueira, quando achou uma imitação de mesa, quebrou-a e segundos depois a luz do fogo foi ganhando espaço entre as quatro paredes.

Girou a cabeça em direção ao pai, encontrando-o pálido e desacordado. Não pensou muito; pegou o machado antes usado pelo tetramano e cortou os cipós que prendiam o adulto ao teto.

Abel caiu desajeitado, acordando imediatamente com o impacto. O garoto tratou de desamarrar o adulto, evitando o máximo que conseguia o contato visual. Uma vez solto, o mais novo ajudou o pai a sentar no chão, mas este desabou outra vez, completamente letárgico.

A criança, depois de pensar em suas possibilidades, esforçou-se além do próprio corpo para conseguir fazer o pai manter-se sentado e encostar-se a parede.

Sob a fraca luz das chamas, Petros fitou o azul do olhar do outro, que graças a iluminação, refletiam uma cor vívida e brilhante, porém lisas de emoções; frios como metal ao relento.

— Pai?

Sem resposta.

— Pai?

Apenas o silêncio opressor, de palavras que deveriam ser ditas.

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