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Tento eliminar o gosto cúprico do sangue na minha boca cuspindo. Os garotos da equipe de natação desaparecem na penumbra da noite quando consigo recuperar o fôlego e respirar normalmente. Todo o acontecimento me parece insano, irreal, mas a dor está ali para me lembrar de que eu não estava sonhando.

Não posso acreditar que Raphael demorou tanto para intervir. Não me importa que ele tenha impedido Jacob Miller de me cortar com um caco de vidro. Minha garganta fecha. Uma coisa era ficar parado enquanto ouvia as piadas idiotas. Outra, era assistir Arthur me esmurrar.

Estava no meu limite. Apesar de termos sido amigos algum dia, apesar do que eu sinto por ele, decido que não vou deixar que Raphael signifique alguma coisa na minha vida. Não depois de hoje. Meu peito dói, cheio de mágoa, mas também há a dor física e me concentro nela para esquecer dos últimos momentos. Dou as costas para o mar e sigo pela estrada, tomando o caminho de casa, guiado pelo escuro e pelo frio.

Abro a porta o mais silenciosamente possível. Tentado a entrar de uma vez e me livrar do ar gelado, mas querendo evitar ao máximo um encontro com Moira. Ela não está na sala. Vou até as escadas e subo para o quarto.

Encaro meu reflexo no espelho manchado. Meu cabelo está despenteado e sujo de areia, assim como a minha roupa. Não sinto parte do meu rosto e há um hematoma ganhando cor na maçã esquerda, além de um corte feio em cima do meu nariz vermelho e inchado. Resolvo tomar um banho, sentindo novos pontos doloridos aparecerem, provenientes dos chutes.

Deixo a água cair numa temperatura muito acima do habitual, levando consigo a areia e o sangue seco que se acumulou no meu rosto. Não sei se choro, mas um bolo cresce no meu peito e depois de um tempo, também se dissipa com a água.

Saio do banheiro cansado do longo dia, querendo apenas que ele acabe. Me seco rapidamente e em seguida me enfio embaixo dos lençóis da cama. Sinto algo rígido entre as cobertas. Recolho o celular e noto que Agatha me mandou umas duzentas mensagens.

Ligo para ela, que atende logo no segundo toque. Conto tudo para Ag, deixando as palavras fluírem num ritmo do qual nem sequer tenho o controle. Falo de Moira, da praia, da briga, de Raphael. Tudo. Uso Agatha para despejar todos os sentimentos ruins que havia acumulado desde que acordara pela manhã.

Quase me arrependo. Havia sido uma péssima ideia contar para ela pelo telefone. Agatha amaldiçoou a equipe de natação com xingamentos que nem mesmo eu conhecia, me deixando assustado. Quando superou a onda de raiva, Ag entrou no clima para a preocupação exagerada, perguntando um milhão de vezes se eu tinha certeza de que não precisava de um médico, ou ao menos pontos.

— Quer vir dormir aqui? Eu posso te buscar de carro — pergunta ela, do outro lado da linha, finalmente ficando mais calma.

Fazíamos isso com mais frequência antigamente. Eu quase sempre dormia na casa de Agatha quando as coisas apertavam na minha. Mas agora, não tenho a menor vontade de levantar da cama, de sair de onde estou.

— Não, está tudo bem. Vou ficar aqui — nego, encarando a porta. — Acho que vou dormir um pouco. Vejo você amanhã — Desligo, sem nem ao menos esperar uma resposta dela.

Estou exausto. O cansaço afasta a insônia que atormenta minhas noites e alguns minutos depois de soltar o telefone, meus olhos já estão sonolentos. Dave aparece e fica num canto escuro do quarto, longe da janela, me encarando com um olhar perturbador. Ele não diz nada, apenas fica ali, parado, me observando enquanto tento dormir. Dou as costas para ele e por fim, caio no sono.

O Sussurro do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora