Não estou longe, mas algumas ruas são escuras e a noite está mais fria do que minhas roupas são capazes de aquecer. As pontas dos meus dedos doem devido à temperatura. Enfio as mãos no bolso do moletom, até chegar a Ann Ave, tentando não pensar nos últimos acontecimentos da loja.
A casa parece estar vazia. Subo direto para o meu quarto, arranco parte das minhas roupas e caio na cama, encarando o teto. Passo um bom tempo apenas respirando, até que meu celular vibra, com uma mensagem de Agatha. Resolvo não ler.
Acendo um cigarro e vou até a janela, abrindo-a um pouco para que o cheiro não grude nas coisas. O ar que entra é frio e machuca a pele como agulhas finas. Não me incomodo. Puxo a fumaça tóxica para dentro dos meus pulmões como se dependesse dela para viver, tentando tapar um vazio agonizante que queima no meu peito.
Acendo outro cigarro, assim que o primeiro termina. Agatha diz que vou morrer bem antes dos trinta e sempre tento desdenhar para não a deixar preocupada, mas na verdade, já começo a sentir alguns efeitos. A frequência com que fumo só aumenta e é impossível negar que sou um viciado. Sendo assim, o que me difere de Moira?
Minhas mãos agora tremem e tenho uma vontade incontrolável de gritar, ou bater em algo. Não sei como definir. Deixo os restos do cigarro no cinzeiro sobre o criado mudo e acendo um terceiro. Volto para a cama, sem me preocupar com onde a ponta do cigarro podem encostar, causando um incêndio. E finalmente, duas pesadas lágrimas rolam pelo meu rosto.
Não sou de chorar, mas aquilo ajuda bastante. Os lençóis da cama estão manchados quando finalmente paro de fumar, sentindo o peito pesado. Sinto os olhos levemente irritados e as narinas congestionadas. Permaneço sozinho, no silêncio, por alguns minutos, observando o contorno dos ossos por baixo da pele do meu corpo.
Me dou conta de que a última coisa que comi foi o almoço nada saudável no refeitório da escola. Me visto com uma camisa de botões e desço até a cozinha, para tentar a sorte numa despensa quase vazia. Encontro uma caixa de cereal já aberta em umas das últimas prateleiras e uma garrafa de leite pela metade na geladeira. Torço para que não esteja azedo e o misturo com o cereal numa tigela. Não existe uma palavra para tomar café da manhã no jantar?
Volto para o quarto depois de comer, me sentindo muito mais leve do que antes. Lembro da mensagem de Agatha e procuro pelo celular. Encontro-o um minuto depois, jogado debaixo da cama e percebo que ela me ligou quatro vezes.
Agatha nunca liga.
Abro o aplicativo de mensagens antes de retornar as ligações. A tela fica branca por alguns segundos e finalmente posso saber o que está acontecendo.
MINHA MÃE ACABOU DE ME TELEFONAR E DISSE QUE MOIRA ESTÁ NO HOSPITAL. ENCONTRARAM ELA DESMAIADA EM WILDWOOD. SABE O QUE ELA PODERIA ESTAR FAZENDO LÁ? ENFIM, MINHA MÃE DISSE QUE ELA VAI FICAR BEM, SÓ ESTAVA MUITO BÊBADA E DEVE VOLTAR PARA CASA LOGO.
Deixo o celular sobre a cama e pressiono as têmporas com a ponta dos dedos. Um espectro de emoções diferentes me atingiu enquanto lia a mensagem. Medo, por achar que Agatha me diria que Moira estava morta; raiva, por ela continuar sendo a mesma alcoólatra doentia e estúpida de sempre; e ao mesmo tempo, alívio, por saber que não precisaria me preocupar com velórios e coisas do tipo. Há outro sentimento também, mas ele é muito confuso para que eu possa nomeá-lo, então, deixo-o de lado.
Um barulho alto e repentino do lado de fora me assusta. O som se repete e percebo que algo bate com força na porta. Vou até a janela e olho para baixo, esperando encontrar um alce dando cabeçadas na casa, mas ao invés disso, vejo Moira ali.
"Mas ela não estava no hospital?" Me pergunto, mentalmente. Talvez tenham desistido de ajudá-la, ou ela tenha saído escondida.
Desço as escadas e me dirijo à sala, com o molho de chaves na mão. Moira deve ter perdido a sua mais uma vez e por isso bate daquela forma. Tenho certeza que ela ainda está fora de si e não sei se estou no clima para suportar Moira bêbada.
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O Sussurro do Vento
Ficção GeralIan Foster tem uma voz na sua cabeça. Tudo começou quando era uma criança assustada e sozinha. Aceitou a sombra que se apresentava como um amigo e desde então, Dave o acompanha. Quando cresceu, a vida de Ian se tornou uma constante tempestade. Os ví...