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Deixo as moedas deslizarem da minha mão e serem engolidas pela catraca do ônibus, torcendo para que seja a quantia certa. Pelo sorriso simpático de aprovação que o motorista me dirige, estou livre para adentrar o veículo e procurar um lugar para sentar. Retribuo o sorriso e sigo até o fundo do ônibus, ocupando o banco ao lado da janela e aumentando o volume dos fones de ouvido até o máximo.

Uma chuva fina caía desde o começo da tarde e continuava embaçando o vidro com gotículas e umidade. Sinto uma necessidade imensa de acender mais um cigarro, mas não posso fazer isso dentro do ônibus. Uma garota que aparenta uns doze anos senta ao meu lado e acaba chutando minha mochila. Ela parece muito ocupada com o seu iPod para qualquer cordialidade. Não que eu me importe com isso.

"Dias melhores virão." É o que o moletom dela diz, com fontes garrafais no tecido rosa. Essa é uma das coisas que mais odeio no mundo. Mentiras confortáveis. Não se trata de pessimismo ou nada do tipo, mas ninguém pode garantir que dias melhores realmente virão. É como dizer: "Ele está em um lugar melhor", para alguém num velório. Ou "Deus sabe o que faz" para alguém que se encontra muito ferrado. As pessoas que dizem isso nunca sabem se é verdade, e as pessoas que ouvem preferem se apegar a essas suposições do que enfrentar a verdade. Mentiras confortáveis me irritam.

As duas últimas aulas foram péssimas. O Sr. Letta aplicou um teste surpresa na sala de Estudos Sociais. Algo sobre a hidrografia do país do qual eu não fazia ideia e tenho certeza de que me dei muito mal. Minhas notas naquela matéria nunca foram boas, então, isso não é novidade nenhuma. Já o Sr. Lewroy, nos fez assistir um documentário tedioso sobre a renascença italiana, acabando com as minhas expectativas de ocupar a mente pintando algo avulso com alguma técnica nova que aprenderia.

O ônibus para no sinal, mesmo que nenhum outro veículo atravesse o cruzamento. A garota do meu lado ri de vez em quando para a tela e a minha playlist finalmente chega ao fim. Deixo que o celular toque no aleatório e recosto a têmpora no vidro frio da janela. À esquerda, os muros do Swimming Land são parcialmente visíveis. Só entrei naquele lugar uma única vez, há poucos meses atrás, e mesmo que não tenha recordado aquele dia com frequência, ver o local faz com que as lembranças me atinjam em cheio.

***

Não tinha certeza da temperatura, mas era certo de que se encontrava abaixo de zero, lá fora. Os nadadores se posicionavam na borda da piscina, mantendo-se na posição de largada e vestindo apenas sunga e touca. Dois deles faziam parte da equipe da nossa escola. Os outros seis, haviam vindo de cidades vizinhas.

Raphael estava entre eles. Era a sua primeira grande competição e obviamente ele estava muito nervoso, agitando os braços sem parar, reposicionando os óculos no rosto a cada dois segundos e nem sequer se preocupando em esconder o fato de que analisava os concorrentes dos pés à cabeça.

Agatha e eu estávamos tão nervosos quanto, mas ao menos permanecíamos aquecidos nas arquibancadas, em meio a plateia, enrolados em casacos grossos no final do outono. Boa parte da cidade também marcava presença.

Não haviam muitos eventos grandiosos em Powell River, então, qualquer entretenimento era atrativo para quase todo mundo, mas como a população total era escassa, nada ficava realmente lotado. A menos se estivermos falando de um jogo de Hóquei, nos quais quem queria assistir sempre passava aperto.

A voz grave de Billy Walters ecoou pelo estádio de natação através dos alto-falantes, reverberando pelas paredes e pelo teto de vidro. Ele era um famoso e velho locutor de rádio, vindo de alguma província do leste. Não se sabe se é verdade, mas era isso que o velho Billy costumava dizer nos seus programas matinais. Ninguém que o vira chegar à cidade continuava vivo. A impressão que todos tinham era de que o homem sempre esteve ali, como uma parte fixa de Powell River. Agatha achava que ele era uma múmia.

O Sussurro do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora