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Do outro lado do corredor, o Sr. Balzer, um homem muito alto, com peito largo e um bigode estranho, entrava novamente na sua sala de diretor. Minha mandíbula trava e eu tento mais uma vez repassar na minha cabeça o que eu vou dizer.

Eu ouvi algo sobre um caso de assédio sexual... Não, eu não estava lá... Não, eu não conheço a vítima.... Não, eu não tenho certeza se ele aconteceu... Não, eu não tenho certeza se isso é da minha conta...

Observo o coordenador através das persianas abertas, se movendo impaciente atrás da mesa, dentro da sua camisa de botões pequena para o seu corpo. Preciso fazer isso, sei que preciso.

Obrigo meus pés a andarem e depois de poucos passos, ouço a voz de Raphael, vinda das amplas escadarias que levam para o andar de baixo.

— Estava procurando por você — declara ele quando me alcança.

— Você não ligou — acuso. Sorrateiramente, meus olhos se desviam para a sala do Sr. Balzer, mas Raphael não parece se dar conta disso.

— É, eu sei, me desculpa. Mas só consegui resolver tudo hoje de manhã e pensei que seria melhor contar pessoalmente, de qualquer maneira.

Seu tom me chama a atenção, é quase eufórico. Analiso-o por um momento. Ele continua com aparência desgastada, diferente do que é de costume, como se não dormisse ou comesse direito há dias. Apesar disso, sua expressão é radiante.

— O que quer dizer com "resolver tudo"? — Pergunto, ainda desconfiado.

— Falei com a Jannet — diz ele, sorrindo.

— E então? — Exijo saber, impaciente.

— Bem, ela lembra de muito mais do que eu, foi um alívio. Jannet achou que eu estava preocupado com risco de DST ou gravidez, mas me garantiu que nada nesse nível era possível já que... Er... Ela disse que eu não tinha ereção — Raphael fica vermelho, tão vermelho que me espanta. — Bom, me contou também que não queria saber de sair com Arthur ou das loucuras dele e se sentia mal por a gente ter ficado com todo mundo olhando e...

— Espere, quer dizer que —

— Quer dizer que ela quis ficar comigo. Foi bizarro e irresponsável e tudo, mas eu não abusei dela — ele cochicha. — Eu não fiz isso —conclui, transparecendo toda a leveza que sente.

Solto o ar.

— Ótimo — é tudo o que eu digo. — Bom pra você — completo depois. Não terei que entregá-lo.

Raphael parece um pouco desconcertado devido à minha falta de entusiasmo com o fim da história.

— Obrigado por me dizer para conversar com Jannet. Ajudou muito, obrigado.

Meu cenho franze.

— Só falei o óbvio.

Ele ri. O sorriso chega aos olhos, bem diferente de quando ele havia vindo falar comigo e com a Agatha no dia anterior. Me pergunto se agora que ele não tem mais nenhum problema do qual precise de ajuda, as desculpas e as promessas de não se juntar novamente com Arthur se manterão de pé. Algo ainda me faz duvidar disso, mas depois de tudo, não sei se me importo. Ao menos, digo para mim mesmo que não e me esforço para acreditar nisso.

* * *

Meu moletom fica todo molhado quando volto da Townsite. A neblina que durara o dia inteiro havia se dissipado e dado lugar a uma chuva torrencial, com ventos fortes que faziam os pinheiros rangerem.

Vou direto para as escadas, já tirando a roupa, quando escuto o estrondo na cozinha. Paro onde estou e dou meia-volta. Antes de chegar até lá, o barulho se repete, ainda mais alto.

Meu coração já batia com força, assustado com o terceiro estrondo, quando cruzo a entrada da cozinha. Me deparo com Moira recostada na pia, encarando o chão e debruçando-se em lágrimas. As mãos dela, ensanguentadas, apertam a bancada com força. À sua frente, o que aparentam ser todos os pratos da casa se espalham no piso, estilhaçados.

— Nossa, você se machucou! — Exclamo quando vou até ela, uma reação automática, mas ainda assim, estranha para mim.

Mal chego a lhe tocar o braço e Moira explode. Um grito rouco e alto sai da sua garganta, exigindo que eu me afaste. Involuntariamente, dou um passo para trás, mas não antes que o forte odor de álcool me atinja.

— Mas que merda! Você está bêbada de novo? De onde acha que vai tirar dinheiro para repor isso tudo? — Grito de volta, sem pensar duas vezes.

Moira olha para mim pela primeira vez desde que cheguei ali. Suas pálpebras estão inchadas devido ao choro e o cabelo loiro todo desgrenhado. Além disso, a expressão dela me assusta. É a mesma que ela mostrava antes de me bater quando criança, até que eu já tivesse perdido a voz, pedindo para que ela parasse com aquilo. Um calafrio percorre a minha espinha, acompanhado da lembrança.

— Cale a boca! — Ela rosna para mim. — Cale a boca seu infeliz!

Outro passo involuntário para trás.

Empurre-a...

O sussurro de Dave soa alto, muito alto, fazendo minha têmpora latejar. Logo depois, vêm as imagens: Moira caindo sobre os cacos dos pratos, os estilhaços perfurando seu corpo. O sangue se espalhando ao seu redor, enquanto ela permanece imóvel no chão, com os olhos vidrados no teto.

Mal tenho tempo de clarear a mente quando Moira tenta me dar um tapa. Ela está muito tonta para me acertar e o movimento a desequilibra. Antes que caia, me adianto e a seguro pela cintura, impedindo que desabe sobre a destruição que causara, mas atiçando sua raiva.

Ouço o vidro estalar embaixo dos pés dela e então Moira toma impulso para me empurrar para longe. Agora sou eu quem caio. Sinto pedaços de vidro muito pequenos perfurarem a pele do braço que uso para me apoiar no chão. Um pedaço maior atinge a minha palma e o sangue quente escorre por entre os meus dedos. Coloco-me de pé. Nós dois estamos sangrando agora.

— Até quando você vai encher a cara e ficar louca desse jeito? — Explodo, falando muito mais alto do que achava ser capaz. Havia passado do meu limite. Mesmo sabendo que não adiantava discutir com Moira daquele jeito, não consigo evitar que as palavras saiam. — Você não já destruiu a minha e a sua vida demais para entender que é hora de se tratar?

Ela não parece ouvir, se aproxima aos tropeços tentando novamente me bater.

— Isso é tudo culpa sua! — Moira cospe por entre os dentes, cerrados de raiva. — Você destruiu tudo, você!

— O que? Não pode me culpar por nada! — Rebato, mas nem sei o que ela quer dizer com aquilo. — Você é um fracasso! Um fracasso completo. E me fez ser igual a você!

Dessa vez ela consegue me acertar. Sua mão ferida bate contra a minha bochecha em cheio, cortando o que eu ia dizer.

— Seu mostro, seu doente! Se não tivesse nascido, ele nunca teria me deixado... nunca!

Paro onde estou, aquilo era algo novo.

— Como assim? Ele quem? — Exijo saber. — Do que está falando?

Já é tarde demais. O álcool toma as últimas energias de Moira e ela desaba. Seguro-a antes que ela se machuque mais. Tento balançá-la para que acorde e me explique o que estava falando, contudo, sei que nada vai adiantar. Sem sucesso, arrasto-a até o sofá e deixo que durma, mas as dúvidas que tenho agora não me permitirão fazer o mesmo.

O Sussurro do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora