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— E você acha que ela estava falando do seu pai? — Pergunta Agatha, tentando ligar o limpador de para-brisa, depois que uma chuva inesperada começara a cair.

— E de quem mais poderia ser? — Pergunto de volta, relembrando a última briga que havia tido com Moira. — Não é a primeira vez que ela cita esse 'ele', talvez seja, talvez não. Mas ontem o que eu ouvi vai além disso. Moira falou que foi abandonada e que a culpa era minha. Me pergunto o que isso quer dizer...

Agatha não olhava para mim, estava bastante ocupada tentando acionar o limpador de vidro, mas com certeza me ouvia.

— Moira estava bêbada, Ian. Poderia estar falando coisa com coisa. O que também não seria a primeira vez.

Recosto a cabeça no banco e respiro fundo, com os olhos fechados, tentando clarear minhas ideias. Quando volto a abri-los, encaro o para-brisa embaçado. Mal dá para ver a rua e os pinheiros que a cercam. Reconheço os borrões verde-cinzentos. Estamos passando em frente à Praia Willingdon. Um ponto vermelho me chama atenção, em seguida outro aparece, depois mais um.

— Agatha! Agatha, pare! — Grito. Só me dou conta do que está acontecendo um segundo antes de nos chocarmos com os cervos.

Ag se sobressalta com o meu tom de voz, levanta a cabeça e pisa com força no freio. Ela não estava indo tão rápido, mas o barulho dos pneus derrapando na pista molhada ainda é alto o suficiente para me causar arrepios.

O carro para a centímetros da grande mancha vermelha. Ironicamente, os limpadores de vidro começam a funcionar do nada, afastando a água e revelando um cervo do tamanho de um cavalo jovem. Ele nos encara, em estado de choque, antes de saltitar até o outro lado da rua.

— Você precisa de um carro novo! — Falo para Agatha em um tom acusatório.

Ela respira fundo.

— Foi mal — se desculpa.

Esperamos os outros cervos cruzarem a estrada antes de continuarmos. Vários outros animais fazem o mesmo trajeto daquele que quase matamos, desde adultos a filhotes magricelas.

— Não acho certo que Moira te culpe de algo. Seja lá o que for, ou o que tenha acontecido com ela. Você não tem culpa de nada, não dê ouvidos a isso — diz Ag depois que voltamos a nos mover, retornando ao assunto.

Apenas aceno com a cabeça, determinado a deixar a conversa morrer ali. Penso na família de cervos que acabara de cruzar a estrada, na maneira como seguiam uns aos outros e dezenas de lembranças me atingem de uma só vez.

Eu tinha uma fantasia quando era criança implantada na minha cabeça pelos programas de TV. Imaginava que, em algum lugar distante, meu pai esperava para um dia me conhecer. Então, poderíamos jogar baseball no quintal, comer pizza em frente à lareira e fazer concertos na casa no fim de semana.

Talvez, imaginar não fosse o termo certo. Na verdade, eu torcia para que ele existisse e essa era a única esperança que eu conhecia para ter uma vida melhor, longe das loucuras de Moira. Eu torcia para que em algum lugar houvesse alguém me procurando, que me amasse, que fosse uma família, simples.

Com mais ou menos oito anos, a fantasia cresceu tanto que me cegou, passei a acreditar fielmente nela. Moira estava em uma das suas piores fases. Bebia o dia todo, não tinha um emprego, não comprava comida e me batia pelos motivos mais fúteis, até mesmo por aqueles que só existiam na sua cabeça.

Me lembro de ter arquitetado um plano perfeito durante à noite, pelo menos perfeito para uma criança daquela idade. Era noite do dia dos pais, o romantismo da data habitava quase todas as casas da cidade, mas o que habitava a minha eram os gritos de Moira no andar de baixo, enquanto eu estava trancado no sótão.

O Sussurro do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora