12

18 2 0
                                    

O fim do outono estava próximo e a paisagem já começava a mudar. As friagens que vinham à noite se tornavam cada vez mais frequentes e garantiam que as manhãs começassem esbranquiçadas. Todos os objetos que dormiam ao relento acordavam cobertos por uma fina camada de gelo branco.

Mesmo com os baixos riscos de neve, alguns veículos do governo se encarregavam de espalhar sal grosso pelas estradas, garantindo que o asfalto não congelasse e causasse acidentes de trânsito.

Pela janela, observo um desses veículos dobrar a esquina da Harvin com a Avenida Ann. São quase cinco horas, mas ainda não há nenhum sinal do amanhecer no céu. No auge do verão, o sol costuma aparecer às cinco da manhã e permanece até depois das dez da noite, mas com a mudança de estação, esse período fica cada vez mais curto, transformando os longos dias em noites intermináveis e frias.

As ruas permanecem escuras e meu campo de visão se limita ao que os faróis do veículo tocam. Ainda é muito cedo para ir à escola. Eu deveria estar dormindo, mas Dave não permite. Recosto a têmpora no vidro, tentando clarear a minha mente. No canto oposto ao quarto, há uma pilha de objetos avulsos. Tênis, cinzeiro, travesseiros... Coisas que atirei contra Dave, implorando para que ele parasse, mas não adiantou, a sua sombra continua me atormentando.

O ruído que ele implanta na minha cabeça se torna mais alto repentinamente e faz todos os meus pensamentos se misturarem em um. Dave me olha, sério, aderindo-se ao teto como um monstro de filme de terror. Sinto vontade de gritar, mas sei que isso não vai afastá-lo. O melhor que posso fazer é lutar contra ele, tentar bloqueá-lo.

Volto para a cama e começo a respirar vagarosamente, para recuperar a calma, ignorando o ruído que se torna cada vez mais intenso. O barulho assemelha-se ao som de ferro raspando em ferro, amplificado e colocado dentro do meu crânio. Um verdadeiro inferno.

Dave me causa isso sempre que estou ansioso, como se o sentimento lhe abrisse uma porta para plantar o caos na minha mente. Algo parecido acontece quando desejo muito uma coisa, seja lá o que for. Dave se utiliza desses momentos para trazer esse tipo específico de mal-estar, até que eu realize a tal vontade. Agora, não tenho muita certeza se o que proporciona o ruído é o sentimento de ansiedade ou desejo, mas tenho certeza em relação ao que causa qualquer um dos dois.

O som não me impede apenas de dormir. Também me impossibilita de pensar direito. Vejo Dave rastejando pelo teto, até ficar exatamente sobre mim. Minhas memórias se misturam e vem à tona em momentos avulsos. A realidade se distorce levemente e em momentos de pico, perco até a noção de tempo e espaço.

Respirar... inspirar... respirar... inspirar...

Já estou quase a ponto de arrancar meu próprio cabelo, enlouquecendo devido ao capricho do ser de sombras que me assiste preso ao teto. Entre as linhas de raciocínio confusas, algo surge como uma esperança de vencê-lo.

Saio do quarto e desço as escadas, quase caindo por não conseguir distinguir onde estão os degraus exatamente. Vou até o banheiro do andar de baixo onde Moira guarda vários remédios diferentes. Procuro por um calmante em específico, algo que cale a minha mente por completo. O espelho do armário à minha frente não reflete a imagem de Dave, mas sinto a sua presença como uma corrente elétrica, que eriça os pelos da minha nuca.

Quando finalmente encontro o frasco certo, o barulho se intensifica, me fazendo derrubar as pílulas. Recolho o que consigo na pia, antes que desçam pelo ralo e coloco tudo na boca, cerca de três ou quatro comprimidos brancos.

A dosagem exagerada não demora para fazer efeito. Menos de um minuto depois começo a sentir os ombros pesarem e as pernas ficarem bambas. Vejo Dave na porta do banheiro quando sigo até a sala. A expressão dele é de raiva e desapontamento, por eu estar colocando fim na sua diversão.

O Sussurro do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora