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— Eu vou buscar as coisas no carro — anuncia Agatha, antes de dar as costas e se afastar. A grama úmida na qual ela pisa faz um barulho estranho sob os seus passos apressados, enquanto vai em direção ao estacionamento da praia.

O lugar está mais vazio do que de costume. A barraca de sorvete, na beira da estrada, foi fechada desde a chegada do outono. Os proprietários gostam de passar a temporada de baixas vendas nas montanhas.

Os balanços estão parados, com exceção dos momentos oscilantes, com o leve toque da brisa marinha. Ninguém senta no gramado, ou ocupa os bancos da construção de madeira feita pela prefeitura há alguns anos.

Além da caminhonete azul de Raphael e do velho Ford Del Rey de Ag, não há nenhum outro carro estacionado, os que seguem pela estrada parecem cheios de pressa. Não há corredores cruzando a faixa de areia da praia, ou adentrando a trilha. Não há nenhum nadador corajoso na água, nenhum pescador entediado na plataforma, ou ao menos um barco no horizonte.

Somos só nós três.

Raphael alonga os braços, esticando-os apontados para o alto, com as pontas dos dedos cruzadas. Havia acabado de chegar, parecendo contemplativo. Ao longe, Agatha tenta arrancar algo de dentro do carro, enquanto eu apenas observo tudo com as mãos protegidas nos bolsos do moletom.

Não é um dos dias mais frios, o inverno ainda estava para começar. Mesmo assim, o céu tem a cor de chumbo, opaco, com nuvens densas, mas que não ameaçam chuva. A brisa sopra forte o suficiente para mover o meu cabelo e o topo dos pinheiros, ao mesmo tempo que tudo parece menos colorido.

Raphael se aproxima com passos despretensiosos e à pequena distância ouço seu estômago roncar. Ele ri. Já deve passar da uma da tarde, num sábado qualquer, e Agatha parece estar tendo problemas em tirar o nosso almoço do banco de trás.

— Acha que consegue chegar aqui antes da hora do jantar? — Pergunta Raph, fingindo um tom curioso.

Ag faz uma careta feia em nossa direção, até que, enfim, se afasta abruptamente do carro.

— A droga da toalha prendeu em alguma coisa na porta — ela explica, mostrando a ponta desfiada do tecido que carrega.

— Finalmente — suspira Raphael, tirando uma larga bolsa térmica das mãos dela, para que pudesse forrar a toalha sobre a grama.

— Espero que não chova — declara Ag, tirando os tênis e sentando com as pernas cruzadas sobre o tecido.

Faço o mesmo.

Raphael se ajoelha e ainda com a expressão impaciente, distribui o conteúdo da bolsa à nossa frente.

Meus olhos se perdem na imagem dele. Por um momento, obarulho da natureza ao redor, a sensação do toque do vento, a presença deAgatha ao meu lado e qualquer outro estímulo do ambiente se tornam elementostênues, quase imperceptíveis.

Meu olhar se prende na linha da clavícula de Raphael, na maneira com a qual a camisa se dobra para deixá-la exposta. Em seguida, minha atenção corre para o seu cabelo castanho e a maneira como suavemente serpenteia com a brisa marinha. Por último, meu olhar se fixa no seu rosto, nos traços retangulares que parecem me hipnotizar.

— Estamos indo alimentar os bodes das montanhas ou almoçar? Só tem mato aqui — reclama ele, segurando mais uma vasilha do que parece ser um punhado da vegetação do meu quintal.

Paro de encará-lo, fitando o padrão de linhas da toalha que se espalha no chão. Situações como essas vinham acontecendo com maior frequência, me deixando cada vez mais imerso e preocupado.

Agatha revira os olhos

— Estou experimentando uma dieta de folhas verdes, cheia de fibras — explica ela. — Mas também trouxe um monte de sanduíches de ricota pra vocês — continua, arrancando a bolsa das mãos de Raph e distribuindo ela mesma o restante da comida.

O Sussurro do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora