10

27 1 0
                                    

— Aqueles malditos... — murmura Agatha, segurando-me pelo queixo e virando o meu rosto, para que pudesse examinar os machucados.

Afasto a mão dela.

— Tudo bem, estou bem — garanto. — Já passou. É melhor esquecermos isso — completo, dirigindo o olhar aos limpadores de vidro, que trabalham freneticamente para manter a água afastada.

Agatha me olha com indignação.

— Como assim, esquecer? Arthur não pode sair impune.

Reviro os olhos, cansado desse assunto.

— Arthur é um idiota. Isso é o que idiotas fazem. O que você quer? Chamar a polícia?

Agatha dá a partida no carro e se concentra na estrada, estreitando os olhos para ver melhor através do vidro turvo, devido à chuva constante. Pela ruga que se forma entre as suas sobrancelhas, sei que ela ainda está irritada.

— Não acredito que Raphael deixou isso acontecer — diz ela, descontando no volante com um tapa. — Não acredito nem que um dia o consideramos como amigo.

Dou de ombros.

— Bem, na verdade, ele parou a briga quando viu que Jacob Miller ia me "esfaquear" com um vidro — digo, fazendo aspas no ar com os dedos.

Não sei se é possível esfaquear alguém com uma garrafa, mas não consigo pensar numa palavra melhor.

Agatha para o carro no meio da rua e me encara com os olhos esbugalhados.

— Ian, você não me contou essa parte! — Ela me acusa, ficando nervosa e falando alto, algo que não é do feitio de Ag. — Não podemos deixar isso passar de jeito nenhum. Precisamos fazer alguma coisa — completa ela, voltando a acelerar.

Passamos pela praia Willingdon nesse momento. O balanço continua fincado na areia, balançando com o vento forte. O lugar parece tão diferente com a mudança de tempo que não consigo ligá-lo com a cena da noite anterior.

— Agatha, por favor. Eu não quero mais falar nesse assunto — digo, tentando colocar de vez um ponto final. — Pelo menos, isso tudo serviu para matar minha paixão platônica.

— O que quer dizer?

Não respondo por um momento, procurando a melhor maneira de explicar.

— Acho que não vejo Raphael daquela forma — finalmente começo. — Acho que não gosto mais dele. Já ficou claro que ele mudou e nem me refiro a ele ter deixado de falar com a gente. Não é só isso. Raphael não é mais Raphael. Ele agora tem um novo... caráter. Ontem eu pude ver isso muito bem. Não gosto desse Raphael — concluo, me sentindo aliviado em poder falar isso.

— Já não era sem tempo!

Ag olha para mim com um tom de aprovação, mas então, o carro faz um ziguezague no asfalto, saindo da faixa e invadindo o espaço ao lado. Agatha gira o volante bruscamente, voltando a se concentrar na estrada e ambos caímos numa risada nervosa.

— Odeio alimentar o estereótipo — diz ela.

Meu breve momento de bom humor acaba assim que paramos no estacionamento da Brooks. Agatha se despede com um "até mais" e segue para as suas aulas, me deixando sozinho. As pessoas me encaram pelos corredores e não se preocupam em fazer isso de uma forma discreta, o que me deixa bastante incomodado. Aparentemente, levar uma surra funciona como instalar uma sirene na cabeça.

Passo por um grupo de alunos junto aos seus armários e penso em como raramente uso o meu. Não tenho tanta coisa para carregar e não estou disposto a me preocupar com arrombamentos, além de algum idiota tentando ser engraçado ao colocar meias junto dos meus livros.

Ignoro os olhares e cochichos pelo resto do caminho, até chegar à sala de Literatura Inglesa da Sr. Leach. Ela me dá bom dia como se não houvesse nada diferente e eu respondo da mesma forma. Sigo para o lugar de sempre e tento não fuzilar com os olhos os colegas de classe, que giram o pescoço para me encarar durante a aula.

Os hematomas desapareceram no decorrer das semanas, todos eles, mas Arthur não parecia ter esquecido a noite da praia. Cruzo com ele nos corredores e no refeitório algumas vezes, sempre acompanhado de outros membros da equipe, e sua expressão é de pura raiva.

Agatha menciona isso numa quinta-feira, enquanto eu carregava meu almoço até a mesa do refeitório. Procurei não me importar com isso e ignorá-lo, assim como várias outras coisas que eu vinha deixando de lado nos últimos dias. Contudo, havia algo que eu não pude deixar passar. Algo bobo, na verdade, mas que chamou minha atenção.

Raphael só apareceu na escola uns poucos dias de todo aquele período. Pensei em comentar com Ag, mas ela estava tão orgulhosa pelo fato de eu, tecnicamente, não estar mais apaixonado por ele que preferi guardar as observações só para mim. Em outra época, eu teria ligado ou ido até a casa de Raphael, preocupado, para ver se tinha acontecido alguma coisa. Agora, eu apenas faria mais do mesmo: ignorar.

Na sexta-feira, quando volto para casa, depois do meu turno na Townsite, percebo que Moira não está em casa. Ela sempre enchia a cara na sexta à noite. Subo direto para o quarto e tranco a porta. Talvez se eu permanecer ali, ela não me use de bode expiatório outra vez.

O tempo passa devagar e eu afundo no tédio. E com o tédio, vem Dave. Ele estava imóvel há quase uma hora em frente à janela. O resquício de luz cinzenta que entrava pelo vidro o transformava numa sombra densa e sinistra, que se encarregava de bombardear minha mente com imagens.

Dave estava tentando me fazer sair e pelo que entendo, ser preso. Ele me mostrava falsas memórias, onde eu praticava diversas atividades ilegais. Em seguida, proporcionava um breve vislumbre das sensações que os atos poderiam me trazer, me tentando a aceitar suas sugestões.

"É prazeroso... Prazeroso." Dave sussurrava.

Deito na cama, sobre os lençóis, depois de tirar a roupa e ficar confortável, apenas de cueca. Apoio as pernas na cabeceira da cama e encaro o teto. O fluxo de sangue se torna menor nos meus membros inferiores, causando uma agradável sensação de dormência.

Coloco os fones de ouvido e bandas até então desconhecidas para mim tocam no volume mais alto possível. Me concentro nas letras, ocupando-me, na tentativa de me livrar de Dave.

O cinzeiro permanece onde o coloquei, no chão, junto à cama. Deposito ali os restos de mais um cigarro, e então o celular vibra, parando a música por um instante. Pego o aparelho, imaginando o que Agatha poderia querer àquela hora e minha respiração trava quando vejo que a mensagem não é dela.

Não tenho aquele número salvo no celular há um bom tempo, mas não fui capaz de esquecê-lo. Todos os esforços que fiz para não pensar nele durante os últimos dias se desfazem quando meu peito acelera e uma dúvida cala até mesmo a insistência de Dave: "Por que Raphael está falando comigo?"

O Sussurro do VentoOnde histórias criam vida. Descubra agora