Capítulo Um Maria Luíza

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Algum tempo depois...

Foram longas e exaustivas horas caminhando em cima dos meus pares de salto quinze sobre as calcadas desrregulares de Guarulhos, que feriram os meus pés, e o que me deixa ainda mais irritada além do calor.

É a difícil missão de procurar um emprego na área em que me formei.

É a péssima administração dos governantes. Me pego perguntando se o prefeito estaria contente se a sua cara fosse esburacada como as vias desta cidade?

Duvido. Ele daria um jeito.

Rio com escarnio sufocada pelo calor escaldante que me consome por baixo do conjunto surrado de calça e blazer em linho escuro.

Eu tenho que admitir, foi insano da minha parte escolher esse modelo de roupa em um dia tão quente como os que tem feito na cidade, mas o quê fazer?

Não tenho outra alternativa, é a única roupa apropriada que possuo, ela me deixa elegante e faz com que eu me sinta segura.

Para mim, não basta ter só uma ótima formação acadêmica, vestir a minha melhor roupa, isso quase nunca é relevante quando se trata de ser uma mulher preta.

O quê para mim é um grande orgulho, para algumas pessoas é um incomodo.

A disputa é acirrada.

Quando você não perde a vaga para um homem que muitas das vezes não tem nem se quer os requisitos exigidos para a vaga, mas a conseguia pelo fato de ser homem, tem também que lidar com tantas outras mulheres, loiras, lindas, cabelos lisos e longos, com os seus belissimos corpos esculturais, que são expostas como um objeto para atrair os clientes sem se importar quais são suas qualificações.

O quê faz com que muitas das vezes você duvide da sua capacidade como um profissional.

Rio enojada. O problema não está em mim, e sim em uma sociedade doente que muitos ainda não se deram conta.

Seco uma fina camada de suor que se formou em minha testa, entre os meus óculos de sol e as minhas pálpebras, me fazendo esquecer completamente da maquiagem que eu levei horas para fazer, estragando todo o trabalho que raras as vezes eu tinha êxito em executar.

Pensei em cada detalhe para estar bem apresentável caso surgisse uma entrevista de emprego de última hora, eu tinha esperança, sempre tenho, e hoje foi mais um dia em que acreditei cegamente que eu voltaria para casa com uma boa notícia, e mais uma vez eu me senti frustrada.

Nada consegui além de algumas bolhas nos pés.

Entreguei alguns currículos nas dezenas agências de emprego da cidade, sem obter sucesso. Todo o santo dia era a mesma coisa, eu batia de porta em porta em busca de uma chance, mas só o quê eu ouvia as recepcionistas dizerem eram: "Aguarde, nós vamos entrar em contato."

Mas não entravam, nunca entravam.

Rio frustrada.

Estava cada vez mais difícil ingressar no mercado de trabalho. Mas quem foi que disse que seria fácil?

Como diria a minha tia Dalva: "todo sonho para se tornar real requer esforço e dedicação."

Mas é só o quê eu venho fazendo nos últimos dias, me empenhando para encontrar um bom trabalho, para que eu possa ajudá-la nas despesas de casa.

Inspiro fundo exausta.

Passei a mão sobre meu pescoço livre dos cachos presos em um coque bem feito no alto da cabeça. Seco algumas gotas de suor que se formaram ali.

Após horas a fio andando, finalmente chego ao ponto de ônibus que de costume devido ao horário estava super lotado.

Faço uma careta ao umedecer os lábios ressecados e sinto o gosto salgado do suor resvalando em minha língua na tentativa de matar a minha sede.

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