Capitulo 21 - Luís

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Um curandeiro cuidou de mim, sem olhar nos meus olhos, mas eu segui todas as instruções à risca. Ele não deve pagar pela minha teimosia. E em breve, não vão mais deixar ele me ver.

Eu ouvi as conversas, não vão me deixar intacto por muito tempo. A Verônica quer me usar pra manipular a minha mãe.

Isso me assusta mais do que a tortura.

A Verônica é manipuladora, vai convencer a minha mãe de que estará fazendo uma troca justa mesmo que o acordo exija a Ilha Trapo inteira. Com pacientes e tudo. Não só isso, pode exigir que a minha mãe se entregue pra uma execução. Depois de todos esses anos, Verônica ainda a odeia profundamente. Minha mãe não a julga por isso, e eu de certa forma entendo,
mas a verdadeira culpada por isso já morreu.

Mesmo assim, o que aconteceu naquele dia vai perseguir todos nós pra sempre.

A nossa família fragmentada vai sofrer pelo que houve até o fim dos tempos.

Eu lembro de quando chamava a presidente Verônica de "tia Vê", quando ela fazia fantoches de meia e criava conversas entre eles que me faziam gargalhar. Lembro do tio Mateo, participando das brincadeiras ou só observando. A tia Marina me trazia presentes da superfície todas as vezes. O tio Dimitri corria comigo, eu corria dele e ele corria de mim, ele era um gigante e eu adorava quando ele me jogava pra cima.

Também lembro do meu pai, do sorriso dele e das suas imitações enquanto lia histórias pra mim. Meu pai era forte, protegia minha mãe e eu de tudo. Sempre fez isso, até seu último suspiro.

Eu lembro dele me carregando no colo, do prédio pegando fogo em cima de nós e das colunas de gelo derretendo muito rápido. E lembro dele me jogando pra minha mãe, que estava do lado de fora.

O tio Miguel e o tio Dimitri tentaram levantar os destroços que caíram em cima dele, mas não adiantou. Ele morreu em segundos.

Minha mãe não me fez esquecer disso, mas me confortou mesmo assim, me ajudou a lidar com a dor. Dormia comigo sempre que eu tinha pesadelos, me tratava com tanto carinho que
eu quase esquecia daquela tragédia, brincava comigo enquanto tudo estava desmoronando ao redor dela e da rebelião.

Eu só tinha quatro anos quando vi meu pai ser esmagado pelo laboratório da minha mãe e o tio Mateo não resistir aos ferimentos daquele mesmo dia, e tinha cinco quando minha mãe
encontrou a tia Marina à beira da morte sem poder fazer nada. Ela já tinha perdido muito sangue, o tio Miguel a abraçava enquanto ela sussurrava algo pra ele e segurava a "outra Marina" no braço.

Eu espanto essas lembranças em dias normais, quando sigo minha rotina ajudando minha mãe no hospital ou saindo com os meus amigos. Mas eu lembro dessas mortes quando estou
em uma situação perigosa, sendo seguido por um inimigo ou agora, quando estou prestes a ser torturado. Para me lembrar que eu já passei por coisa pior, que eu sou forte o suficiente pra aguentar qualquer coisa. Que eu não posso jogar o sacrifício do meu pai fora, e que agora é minha vez de proteger a minha mãe.

Aquele doutorzinho que ofende a minha mãe entrou na minha cela, ele tá com o mesmo visual asqueroso de sempre. Tô pendurado pelos pulsos por correntes que machucam minha
pele, tiraram minha camisa e me deram uma calça preta esfarrapada. Tem peso nos meus tornozelos, então não consigo levantar os pés.

- Sabe algo interessante que a presidente me contou?- Henrique pergunta, mas é óbvio que ele não quer que respondam. Nunca vi alguém que gostasse tanto de um monólogo.- Que seu pai era prateado e sua mãe é uma aprimorada. - Ele fica pegando os instrumentos, decidindo qual vai usar primeiro. - Mas você não mostrou puxar nenhum dos dois.

- Acontece.- Digo, desinteressado nesse assunto. Eu não preciso dos poderes dos meus pais pra fazer o que é necessário.

Henrique olha pra mim e exala uma risada, mostrando o sorriso que assombra quase todos os pacientes da minha mãe. Todos eles lembram desse sorriso antes de terem uma crise, todos são assombrados pela natureza doentia desse cara durante o dia e a noite. Mesmo estando longe, eles ainda sentem a presença desse homem.

A Alvorada Rubra |Fanfic de A Rainha Vermelha| EM REVISÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora