a maior dor da vida.

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A cada dia que passa eu fico menor, menos saudável, menos livre dentro dessa casa. No ano em que eu percebi que tudo o que meus pais faziam era o mínimo, meu mundo caiu. Roupas, alimentação, lazer, transporte, são todos os meus direitos como filha, direitos que meus pais tinham a obrigação de se comprometer a partir do momento em que decidiram trazer um ser à vida.

Obrigação. É essa a palavra que me assombra, pois meus pais não fizeram mais do que isso. Minha saúde mental só foi colocada como um alerta quando já se encontrava num estado deplorável, beira ao suicídio. Eu sempre me senti dependente emocional dentro de meu lar, pois sempre que meus pais cometiam algum deslize, sendo grave ou burlesco, semanas depois eu era presenteada com bons momentos, bons bens materiais. Se assemelha à típica definição de relacionamento tóxico em que ouvimos em sessões de terapia ou vemos em posts na internet.

Se acerto, tenho de pedir constantemente aos meus pais que me parabenizem, se erro, sou constantemente relembrada do meu erro por dias. Em datas de comemoração, como meu aniversário, é quando ouço o quão orgulhosos são meus pais em me ter como filha. Por que devo me esforçar o ano todo para ser prestigiada somente em um dia no ano?

Não, ser minha maior prioridade, não é ser egoísta. E de nada tenho culpa se o egocêntrico é quem pensa que ele deve vir em primeiro lugar na vida alguém. Eu sou minha casa, e mantenho distância daquilo que a desgasta. Quando este desgaste parte de um lar, não se pode imaginar a dor. A dor de perceber que você não cabe ali. E o alívio de entender, que você não precisa caber.

Não é difícil observar as paredes de um lugar cujo passou a vida toda e se perguntar "onde eu estou?" por falta de conhecimento daquilo que o cerca. É incabível se sentir tão pequena quando se é tão grande!

Talvez seja de minha natureza, mas liberdade é algo essencial para mim. Não vivo sem, e também não consigo me contentar com pequenas doses. Não consigo compreender porque somente depois da maioridade é que terei senso para então decidir aquilo que quero ou não quero. Para mim, a maioridade é um sinônimo para que o filho cometa erros e estes erros não sejam jogados nas costas dos pais. Porque mais uma vez, os pais são egoístas, e nunca aceitam terem errado com os filhos. Pasmem-se, eu posso ter 18 anos e ainda sim continuar confusa sobre a vida, porque um número muitas vezes, não vai definir meu caráter ou maturidade.

Entendo que seja realmente complicado lidar com uma filha tão complexa e exigente, mas jamais me submeterei à humilhação de me espremer num ideal tão pequeno quanto é o de minha casa, somente para manter o quadro de uma família feliz. Talvez sejam as responsabilidades precoces e meu individualismo que me fizeram crescer antes do que a maioria gostaria.

Como é hipócrita a fala de quem não se assume culpado. Não se deixam submeter as supostas chantagens da filha mas não vêem dentro de si que isso nasceu deles. Tudo se move através de chantagens, pois os filhos se recusam a se submeter aos caprichos dos pais de serem robôs e realizarem a ordem na hora desejada. Assim como os pais têm o direito de exercer suas obrigações na hora que bem entendem, os filhos também podem, isso não deveria ser um choque, é um direito de liberdade. Dizer que irá fugir de casa não foi e nunca será uma ameaça, é realidade! Os filhos que dizem isso aos pais possuem uma mísera faísca esperançosa de que isso fará com que os genitores percebam ali a criança que precisa ser acolhida.

Ao meu pai que tanto se fez herói, a capa caiu quando percebi a toxicidade que era não ter opinião própria. O mesmo nunca quis uma filha, mas sim uma cópia idêntica. Sempre fora tudo "o que eu acredito o que eu acredito o que eu acredito" e nunca "no que você acredita, filha?" ou então era "o que você acredita está totalmente errado e somente o que eu acredito é no que você também deve acreditar." O mesmo jamais se interessou em saber o ponto de vista daqueles que residiam junto a ele, e ouvia-nos já pensando no que ia dizer a seguir para vestir sua capa tão idealizada. Meu pai não se pôs de frente ao espelho uma vez sequer, sempre com o queixo muito empinado para olhar para baixo e ver aqueles que feriu profundamente com tua arrogância. Eu, filha, nunca deixei as coisas rasas e retribuía na mesma moeda depois de anos incansáveis tentando o alertar sobre seu comportamento prematuro. Ele jamais era o culpado em hipótese alguma, mas a culpa teria de recair sobre os ombros de alguém. Esse alguém fui eu, por insuportáveis anos. Assumi a culpa por todos os seus erros, mas nunca de bico fechado. Seu pior castigo foi ser pai de uma filha com um gênio tão forte quanto o dele, que não suportava a dor calada e poderia se tornar tão ignorante quanto, quando desrespeitada. Noites e noites em que o único pensamento que se passava por minha cabeça era "eu devo chamar a polícia", e tinha o resquício de esperança de que me levassem para longe da guarda de meus pais. Me sentia uma espécie de monstruosidade por pensar coisa do tipo, eu era pequena demais, todavia tudo o que desejava era sair de casa sem olhar para trás.

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