Capítulo LVII - Sofrimento

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Wandinha Addams

   Subi de volta para o quarto me arrependendo de uma vez ter saído dele. Tyler continuava a dormir na mais completa calma, sem nem desconfiar da tempestade que acabara de nos assombrar. Fiquei entre deitar ou não ao lado dele. Será que se fizesse isso estaria irritando a Divina? Me enche de ódio saber que não me encontro nada mais, nada menos, do que na palma de sua mão. Não importa. Ela até agora não me deu nenhuma de suas ordens odiosas, e esta é a minha cama! Deito nela se quiser. O problema é que não quero... Me sinto podre, um lixo, Tyler não merece o que farei com ele. Eu sabia que deveria ter escutado minha intuição, aquilo que me movia a fazer as coisas em relação a nós dois até agora! Sempre me dizia que iria decepciona-lo, essa voz dentro de mim me motivava a afasta-lo de mim! Era melhor ter seguido o que mandava. Agora... Quanto ele irá sofrer? Certamente muito.
   Escolho por ficar sentada na minha escrivaninha. Fora o desconforto, a sensação de saber que existem câmeras por todos os cantos me mantem alerta. Pela terceira noite seguida... Não durmo.

...

   O sol penetra seus raios quentes pela janela de vidro. Desperto meus olhos de uma vez para analisar o gramado vivo, cenário da minha dor ontem. Não fechei os olhos por um segundo... não dormi nem 15 minutos. Levanto da cadeira disposta a fazer alguma coisa. Olho para as paredes e não vejo nada, para os cantos, e nada, vasculho a escuridão embaixo dos móveis e não enxergo nada

   Suspiro cansada. Me apoio no canto da cama e faço o colchão se afundar, isso acorda Tyler. Não pensei no que falar quando ele acordasse...
   E não pensei em esconder dele os meus machucados. Ele se levanta assustado com a visão, enquanto permaneço agachada no chão sem reação.

— Wandinha!? - ele exclama. Me levanto, abaixo a manga da camiseta e cubro meu curativo no rosto com a mão. — O que aconteceu com você?

   Tento evitar olhar para ele.

— Não te interessa. - afirmei seca. Percebi que ele ficou surpreso com a minha frieza, pelo canto dos olhos o vi mudar o semblante.

   Tyler jogou as cobertas para o lado e veio em minha direção com os braços prontos para me tocar.

— Wan, o que...

— Não me chama assim e não toca em mim! - recuei, segurando meu braço e colocando uma barreira entre nós dois. 

— Eu... eu fiz alguma coisa? - questionou mais confuso do que já esteve. Eu entendo. Ele dormiu em uma vida e acordou em outra. Não posso explicar o que houve. 

   Também não posso culpa-lo, não quero que se sinta assim por mais que essa seja a melhor coisa que poderia fazer. 

— Sai daqui antes que eu te expulse. - disse cravando meu olhar de ódio nele. Esse ódio não é para ele, mas tem que parecer que é pelo bem alheio.

— Eu não entendo...

— Não tem que entender nada, agora saia! 

   Abri a porta e me mantive inexpressiva ao lado dela, esperando pela passagem do monstro. Acho que vou começar a tentar enxergar os piores lados dele, assim, ficará mais fácil agredi-lo. É esse o tipo de trabalho pelo qual terei que me submeter... não podia me sentir pior por usar minha amargura e frieza do que agora. 
   Ele não insistiu. Me lançou um último olhar e deu as costas. Fechei a porta e caí lentamente, escorada nela, sentindo meus sentimentos desabarem junto a mim. Mudei de ideia sobre as câmeras... eu espero que ela veja meu esforço e cumpra com o que prometeu: a segurança da minha família

   Não demorei para me arrumar e quando desci, vi Xavier vindo até mim. Juntos nos dirigimos para a cozinha, para então conversarmos a sós.

— Ela já desceu? - sussurrei para ele.

— Não, permanece no quarto, fazendo sei lá o que.

— Agora começo a entender o que ela tanto fazia trancada lá... 

— É... e então, já começou a distancia-lo? - ele perguntou. 

   Repassei em minha cabeça tudo o que disse para Tyler, o peso das minhas palavras nele, o peso daquilo para mim! Em alguns segundos já estava tomada pelo choque das minhas ações.

— Já... - respondi depois do que aparentavam horas.

— Ok, vou te ajudar a não perder o foco. - foi o que me falou, enquanto saía dali sem murmurar mais nada. Não queria mais falar sobre isso, passei a noite torturando a mim mesma com o assunto, só vou "querer" discutir mais tarde.

   Mas a minha paz durou tão pouco quanto a minha felicidade. Tyler estava arrumado, lindo e triste na minha frente preparado para me encher de perguntas que eu não poderia responder de forma nenhuma.

— Wandinha... fala o que eu fiz... Me desculpa. - aquilo me cortou em pedaços! Ele não tinha que se desculpar, quem teria que fazer isso era eu! Nunca ele. 

— Ty-Tyler... - minha voz vacilou, e a partir daí não consegui soltar mais nenhuma letra. Não devia, mas me prendi naquele olhar tristonho e confuso dele. 

   Seus dedos estavam a centímetros de tocar o meu rosto e acariciar meu machucado quando Xavier segurou minha mão tentando recobrar a nossa situação e o que eu estaria prestes a desencadear com minhas atitudes. 

— Wandinha, acabamos de falar sobre isso, se controla! - ele sussurrou no meu ouvido e automaticamente firmei a postura.

— Por favor, vamos conversar? - Tyler insistiu, afastando sua mão de meu rosto e segurando a minha mão ainda solta.

   Feito isso, senti meus poderes chegando e fui conduzida para uma visão rápida e curta.

" Via a figura de uma mulher, um amor, brigas, crianças... E logo viria um reencontro.

   Quando meus sentidos voltaram, estava sendo abraçada pelos dois que ainda seguravam minhas mãos... Olhei para nossos dedos entrelaçados, confusa. Foi isso que desencadeou a minha visão? Tem algo haver com ambos? Mais uma questão martelava meu cérebro.
   Sentir o conforto das roupas quentes de Tyler me fez querer abraça-lo e cheira-lo a procura de seu cheirinho. Eu estava mesmo carente! Droga de amor! Relutante, desmanchei o trançado dos nossos dedos e escolhi Thorpe para me agarrar e levantar do chão. Certeza de que o magoei com isso, mas sabia que meu dever era não ligar, e fazia isso para eu não passar pela dor também.
   Corri dali desejando ar! 


Continua.

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