Amor Sangrento

Capítulo LXXXII - Vida perfeita?

Wandinha Addams

   Cansei. Meu corpo já não tem mais forças para mais nada. Sinto que a cada segundo que passa me afundo mais numa poça de exaustão. Porém me sinto bem. Estou satisfeita que pelo menos a noite caiu e agora posso relaxar um pouco. Senti mais desgosto do que o normal com os preparativos para a publicação do meu livro.
   Agora, Enid fazendo minhas unhas é a única coisa que me impede de decolar nos sonhos mórbidos e mortais.

— Ai Wandinha, seu livro será um sucesso. Mal posso esperar para comprar meu exemplar, já iniciou a pré-venda? Como vai na editora?

   Suspirei profundamente enquanto ela não tirava os olhos das minhas unhas sendo lixadas. Força...

— O livro vai passar pela revisão, e sim, vou ter que iniciar a pré-venda. - respondi tentando não cair para trás da cadeira. Levo um susto quando isso ameaça acontecer, mas disfarço rapidamente e Enid não nota.

— Ótimo!... Estou meio preocupada... - ela se encolheu e me ofereceu um olhar de medo e desânimo.

— O que houve, Enid? - perguntei passando a despertar um pouco.

— Bom... Me disseram que me ligariam amanhã se eu fosse aceita para o emprego. E se não der certo?...

   Fiquei pensando em uma opção, encarando o nada, me esforçando para manter meus neurônios em funcionamento...
   Incêndio!

— Se não der certo, a gente incendeia aquela boutique. - respondi com uma expressão levemente entusiasmada e acabei arrancando um riso da minha melhor amiga, mesmo sem ter brincado ou feito piada.

   Ela ria quase a ponto de se dar tapas. Fiquei a encarando com desprezo.

— Ai, Wandinha! Não podemos fazer isso! Eu nunca queimaria peças tão bonitas... - se acalmou.

   Ela sonhava... Tenho certeza de que estava imaginando seu futuro no meio daquele monte de brilho e tule. 
   Não desisti tão fácil da minha sugestão.

— Eu queimo. - garanti, fazendo ela parar de mexer com minhas mãos e me atirar um olhar cansado.

   Suspirou.

— Não vai ser necessário, Wan. Eu tenho que buscar outras alternativas... - seus olhos bateram na porta atrás dela e eu segui fazendo o mesmo. — Ajax até agora está falando com a família dele.

   Paramos para ouvir os sussurros de Ajax que comemorava e trocava ideias, números, quantidades, expectativas...
   Parei para reparar em como minha casa se tornou fonte de pessoas sonhadoras e ideias esperançosas.

— Ah... Nossa vida tem de tudo para ser perfeita! - Enid suspirou e seu rosto se iluminou.

   Não consegui evitar a raiva que me tomou dos pés à cabeça! A ideia de uma vida perfeita ainda estava nos escapando entre os dedos e duvidava muito de que um dia chegasse para nós pelo jeito que as coisas caminhavam.
   Cuspi a verdade no rosto da minha amiga:

— Exceto por Xavier desaparecido. A polícia está atrás dele, mas parece não se importar direito. As buscas estão mais lentas que uma lesma! Eu queria estar buscando por ele e fazer o que dezenas de policiais não fazem. - bati na mesa como um lembrete violento da desgraça que é isso. Ter aquele monstro vagando solto pelas ruas arruinava todas as minhas tentativas de finalmente descansar.

   Enid se encheu de nervosismo, abriu seus lábios para soltar uma resposta, mas a entrada de Tyler no nosso quarto foi mais rápida que ela.
   Nós duas olhamos para a presença dele ali. Me senti brevemente aliviada por ele ter entrado justo agora. Conversar sobre Thorpe ou sobre como ele torna nossa vida mais complicada, não era meu desejo.
   Logo notei algumas coisas no meu parceiro...
   Tyler parecia atordoado. Lábios entre-abertos, olhar chocado, engrenagens rangendo dentro do crânio... Definitivamente estranho.
   Eu e minha amiga trocamos olhares confusos por minutos longos, até que ele decidiu nos cumprimentar e explicar o que houve: