Capítulo LXXIII - Desabar

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Wandinha Addams

O medo corre pulsante pelas minhas veias.
Torço para que por causa dos problemas que eles parecem ter enfrentado recentemente, ela não tenha conseguido a proeza de ver minhas carícias mergulhadas em saudade trocadas com Tyler.
Até agora, a mente de Divina parece mais focada em mexer no celular e comer uma torrada quente do que em me matar, ou me ameaçar,ou me torturar, ou matar todos nós buscando martírio para minha pele. Ela se senta relaxada na cozinha.
Passo olhando discretamente pela entrada do cômodo, e me ponho a fugir de seu campo de vista antes que ela me veja realmente e suspeite da minha conduta.
Xavier ainda não sabe da besteira que fiz. E não quero lhe contar. Se tudo estiver bem, quero apagar definitivamente essa minha fraqueza da lembrança do mundo. Por falar em Thorpe, ele ainda não desceu como todos os outros. Não sei se devo me preocupar com ele. Não quero parecer desesperada demais. Não quero me preocupar atoa de novo. Já estou quase enfiando agulhas dentro desses meus olhos que insistiram em ficar abertos, em mais puro estado de alerta, por causa daquela piranha, que agora, não está disposta a nada além de comer pão tranquilamente.
Enid e Bianca desceram as escadarias com sorrisos brilhantes feito a luz do sol. Riam e comentavam coisas aparentemente divertidas juntas.
Enid... Ela tinha uma nova melhor amiga. Me forço a parar de olhar para elas. Seria só mais dor e solidão para carregar nos meus braços que já tremem nervosos por causa de tanto peso.
Fixo meus olhos no chão. Esses meses foram de pura fraqueza para mim. Consigo perceber o quão frágil fiquei. Isso tudo por causa das armadilhas dos sentimentos que me fisgaram como uma presa idiota. Experimentar tantas emoções me fizeram dependente delas. Agora dependo do amor de Tyler, da companhia alegre e nojenta de Enid, da confiança e do apoio de Xavier, do aceitamento de Bianca, dos bons pensamentos de Ajax sobre mim, da voz dos meus familiares entrando suaves pelos meus ouvidos, e não tenho nada disso. Tudo roubado pelas mãos de Divina cheias de cordas que controlam a todos daqui. Somos fantoches, numa brincadeira sádica e psicótica daquela garota que pensou uma vez, por algum motivo - ela diz direito - , que seria uma boa ideia usar alguém que amava com seu canto manipulador.
Trombo sem querer contra um corpo quente e rígido que caminhava na direção oposta a minha. Mãos param em minha cintura, enquanto minha visão me tira da realidade.

Sangue. Uma faca entrando voando pela janela, roubando todo o sangue da pessoa que foi acertada pelo alfange da morte. Choro. Culpa. Um lugar escuro com algemas e gritos abafados. Monstros. A vida se esvai pelos dedos como areia da praia... Flechas... Objetos pequenos e estranhos. Fim.

Acordo.

Meu coração espanca meu peito.

Me sinto fervendo.

O que vai acontecer?

Eu sinto uma energia tão pesada correr pelas minhas veias. Minha cabeça dói por ter visto tantos horrores, antes me daria prazer, mas agora... preocupação toma conta de 90% de mim.
E minhas mãos estão nele. Segurando seus ombros. E ele pressiona minha cintura. Ele me manteve de pé em meio ao horror que visitava minha mente.
Tyler.
Me afasto tão rápido. Como se ele estivesse sugando minha vida, me matando, me machucando. Me livro como nunca tinha me livrado antes de seus braços. Fui agressiva. Cambaleio para trás como se ele fosse algum tipo de criatura horrenda - talvez fosse quando era um Hyde. Mas não era um monstro agora. Ele queria apenas me ajudar, e minha reação o deixou atordoado.

- O que... O que eu fiz, Wandinha?

Suspirei pesado tentando encontrar o que dizer para ele.

- Tyler... Não me toca. Nunca mais me toca nessa vida... - coisas horríveis podem acontecer se fizer isso e agora tenho certeza, queria explicar isso para ele.

- O que?

- Você ouviu. - corri para cima.

Ouvi um som de porta abrindo e se fechando lá de baixo depois de alguns segundos.
Xavier apareceu saindo de seu quarto. O olhar dele mirou preocupado nas minhas mãos mais trêmulas do que um terremoto.

- Wandinha, o que aconteceu?

- Na-da... Nada.

Ele me embalou em seus braços. Não tive coragem de recusar. Eu estava abalada, estilhaçada. Todas as minhas preocupações da noite anterior despertaram. E eu estava com medo. Estava ridiculamente com medo.

[ ... ]

O dia seguiu.
Nada. Absolutamente nada aconteceu. Nada de errado. Passei boa parte da tarde sendo consolada por Xavier que me disse que tudo estava bem. Me disse em um sussurro que acabaríamos logo com aquela mulher asquerosa. Me pergunto por que não enfiamos logo uma faca nas costas daquela barata. Ele inclusive ainda não sabe do meu erro. Por isso, não levo em consideração nada do que disse.
   E o dia seguiu. Seguiu seu rumo como se estivesse passando de carro pelos caminhos rotineiros da vida. Mas quando menos esperava... ele seguiu na rua contrária, entrou na contra-mão e se acidentou. A noite foi fruto de um acidente mortal.
Olhando a blusa que usara no encontro com Françoise aquela noite, percebi que...

...

Eu estava sendo escutada a cada segundo daquela conversa.

Ela sabia.
Divina sabia que Françoise estava ali, ouviu as explicações que ela deu para Tyler, soube de cada palavra minha enquanto eu usava essa peça de roupa.

Na pior das hipóteses...
Tyler perdeu sua mãe de novo.

E meu mundo terminou de desabar.

Continua...

Amor SangrentoOnde histórias criam vida. Descubra agora