Capítulo LXXXVII - Confiança

133 17 63
                                    

Wandinha Addams

   Franzo o senho, mostrando o tamanho da minha confusão. A mensagem já é lida pela minha mente com sua voz nojenta. Não preciso pensar demais para saber que quem me enviou mensagem de tal atrevimento é Xavier Thorpe, maldito Xavier Thorpe...
   O que realmente me faz pensar um pouco é se respondo, ou o deixo falando sozinho.
   De repente o sofá se torna desconfortável. Recolho minhas pernas para dentro das almofadas e fico inquieta. Sentada, consigo observar minha cachorrinha dormindo na sua caminha nova -claro que Mily tem uma cama com estampa de morcegos, ela adora esses mamíferos - e me influencio a fazer o mesmo.
   Levanto, pisando descalço no chão gelado. Subo o olhar para a escada e decido que definitivamente vou me desconectar desse dia chato.
   Quando abro a porta do meu quarto, me deparo com uma cama coberta de lençóis brancos, mas frios sem o calor de ninguém. Já até mesmo mencionei ao Tyler que ele tinha me deixado mal acostumada com essa questão de dormir sem alguém me fazendo companhia, mas isso parece ridículo. Percebo que estou paralisada analisando a cama alta e decido me mover. Fecho a porta, solto meus dedos da maçaneta e de modo elegante me ponho debaixo dos cobertores. Isso até perceber que deixei a cortina aberta. Depois de descobrir que uma câmera me observava através da cortina aberta na minha antiga vida, eu deveria ter aprendido algo e me precavido. E assim eu farei. Me levanto. Quando a janela está totalmente coberta, volto a me deitar e desfaço minhas tranças. O movimento dos meus dedos, embora feito toda a deprimente noite, me leva as lembranças de quando cheguei aqui e dormi nessa cama pela primeira vez... A lembrança daquela noite especial começa a cutucar o canto dos meus lábios me fazendo dar o mais sutil dos sorrisos.
   Depois de libertar meus fios da perfeição dura do meu penteado, passo a me torturar - e não de um jeito agradável - com a memória de que Xavier me enviou um recado ameaçador agora. Meu corpo se contrai, mas não de medo, pelo contrário, de vontade assassina incontrolável. O que aquela peste está querendo dizer, o que planeja?... Quando isso vai acontecer?
   Suspiro deixando a calma entrar pelas minhas narinas, e, abraçando a coberta em meu ombro eu caio no sono.

[ ... ]

   Geralmente, Tyler me acordaria com um aviso, um abraço e raramente com a frieza da lâmina de uma faca no meu braço - ele jamais me cortou, apenas me fez despertar com o frio do metal. Mas hoje ele não está aqui e por isso, acabo acordando com Mily tentando arranhar a porta do outro lado. Meus olhos se apertam e não querem abrir. Tento virar para o outro lado da cama - o lado do meu namorado e acabo inalando muito do cheiro torturante dele - buscando um pouco mais de conforto. A maciez do colchão me faz voltar a dormir... Mas as patinhas nervosas de Mily continuam a passar na porta.
   Suspiro, tentando processar meu novo despertador. Finalmente abro os olhos e meu corpo parece despertar um pouco mais, já me sinto suficientemente viva para levantar. Afasto os fios de cabelo do meu rosto, ao mesmo tempo que me levanto para calçar meu chinelo. Uma espreguiçada no ar, e já estou abrindo a porta do quarto.
   Meu olhar desce lentamente para a cadelinha saltitante e animada, balançando o quadril sem parar e latindo com euforia.
   Respondo num nível de felicidade semelhante:

— Mily, filha. - meu cumprimento sai duro e frio.

   Ela continua a rodar e rodar diante do meu olhar pesado. Decido pegá-la e assim eu faço, dando carícias no pelo macio dela quando a tenho nas mãos. Sinto-me carregando um raio de sol de felicidade.
   Vou até o banheiro, onde realizo todas as minhas necessidades e parto para a cozinha comer alguma coisa depois de ter alimentado Mily com a ração.
   Xavier...
   Meus pensamentos vão de encontro ao artista quando mordo um pedaço de pão macio com geleia de uva. Encaro um ponto fixo, minha mente girando engrenagens... Quando, como, por que, onde vai voltar? Isso é m...
   O som da campainha tocando me faz levantar da mesa e caminhar até a porta para atender a pessoa que aguarda lá fora.
   Quando vejo quem está ali, sinto um breve espanto percorrer meu corpo inteiro.

Amor SangrentoOnde histórias criam vida. Descubra agora