𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐗𝐋𝐕 - 𝐐𝐮𝐚𝐬𝐞 𝐦𝐨𝐫𝐭𝐚

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Wandinha Addams

   Quase morri. E o principal, quase morri sem ter nenhuma chance ou oportunidade de me defender. Morreria da forma mais ridícula do mundo: com um abraço apertado e uma simples mão na garganta. Fui pega completamente desprevenida, sem armas, é humilhante só de reviver tudo por memórias. Foi um abraço que pareceu cortar minhas correntes sanguíneas ao meio, meu sangue parou de circular, o ar faltou... Chega.
   É hora de olhar para a frente. O que vou fazer agora. Tyler foi possuído por uma energia assassina tão intensa que adormeceu no mesmo instante que tocou o chão. Seu cabelo está bagunçado, o corpo suado, mas é só isso. Consigo ver que o monstro, a possessão do monstro se foi, e só deixou para trás um corpo cansado que pode felizmente respirar calmo.
   Aos poucos os músculos do meu corpo começam a se mover e me inclino para analisar Tyler mais de perto. Descanso a palma da minha mão em sua testa e verifico a temperatura. Normal. Deixou de ser aquele fogo que sentia tocando em mim. Tyler era uma chama segundos atrás, agora sua temperatura estabilizou. Fico mais tranquila. Pelo menos não vou ter que tratar da febre. Um item a menos na lista.
   Penso na possibilidade de chamar alguém para me ajudar, mas a afasto logo em seguida. O silêncio ensurdecedor da casa me fala que não há ninguém desperto. Não é uma opção para mim entrar no quarto da minha tia Ophelia, acordá-la e pedir ajuda a ela. O mesmo com qualquer outra pessoa, até porque eu não preciso.
   Quando meus braços se movimentam para tentar fazer alguma coisa, sinto uma pontada de dor embaixo do pescoço. Abaixo meus olhos para analisar meu corpo e vejo marcas rubras... Ótimo. Estou marcada, e provavelmente levemente mordida. Mas não vai ser isso que vai me parar ou me impedir de fazer o que preciso.
   Puxo Tyler pelos braços e arrasto ele até a cama. Eu sabia que não precisava de ajuda, só os fracos precisam. Ajeito ele debaixo das cobertas e respiro pesado. E agora? Qual é o próximo passo? Ele parece 100% recuperado do surto. Meu temor é de que por mais algum motivo o Hyde volte a acordar e retorne a fazer os batimentos cardíacos do homem acelerarem. É um perigo deixá-lo sozinho hoje. Vou ficar aqui.
   Pego um lenço de uma gaveta que sei que guarda diversos panos e tecidos, e o desdobro de uma maneira que cubra toda a minha mão. Me aproximo de Tyler e levanto seu rosto suado pelo queixo o virando para mim. Passo o lenço por toda sua face e pescoço, deixando o pano absorver todas as gotas de angústia e cansaço que encontra pela pele dele.
    Depois de feito pego outro lenço para mim e desta vez me seco. Que nojo. Eu estou toda suada e babada. Só o pano não vai resolver. Decido tomar um banho, apenas assim para eu me sentir limpa. Da próxima vez, penso duas vezes antes decidir investigar o que o Tyler está fazendo no quarto dele, se está com alguém de fato. Me tranquiliza um pouco saber que não. Se eu encontrasse a minha avó aqui dentro, eu mataria ele sem pensar. Seria demais. Ao menos pude ajudá-lo, mesmo que quase tenha morrido por isso.

***

   O sol já começa a mostrar que está surgindo passando seus raios brancos de luz pela janela. Já devia imaginar que as cortinas estavam abertas, nunca me lembro de fechar e o Tyler também não. Nem reparei que elas não estavam fechadas e agora essa luz forte me despertou de vez e ao Tyler também. 
   Aos poucos os olhos dele vão se abrindo e entendendo o que está acontecendo ao seu redor. Ele se espreguiça e logo em seguida percebe minha presença. Estou sentada na cadeira da escrivaninha com o rosto apoiado no braço em cima da mesa, olhando para ele por cima do ombro e quase caindo de sono. Seu semblante diz que está confuso e tentando se lembrar do que aconteceu horas e horas atrás, mas é mais fácil perguntar.

- Wandinha... por que está aqui? 

- Para garantir que você não vai sufocar ou morder mais ninguém fora desse quarto.

   Acho que a ficha caiu. Ele lembrou. Pelo jeito que sua cara ficou deve estar sentindo 300 tipos de emoções diferentes. Por vários momentos sua boca se abre tentando dizer alguma coisa, mas nada audível sai dela. 
   Me levanto e vou até ele.

- Não precisa falar nada. - tento livrá-lo dessa tortura. O olhar arrependido dele já me diz o bastante.

- Me desculpa - as palavras finalmente saem. Solto um suspiro pesado enquanto permaneço de braços cruzados olhando para seu corpo sentado.

- Não me peça perdão. Não tenho paciência para lidar com desculpas.

- Ah... - ele assente - Obrigado por cuidar de mim. Ficou aqui a noite toda?

- Infelizmente estive aqui por todos os segundos que duram uma madrugada até o sol amanhecer.

   Ele se levanta e para na minha frente. Me sinto meio baixa já que não estou com minhas botas para me deixarem um pouco mais alta e ele deve ter uns 20 centímetros de altura a mais que eu. Tyler faz o que eu menos esperava. Deposita um selar meio demorado no meu pescoço onde ele me mordeu e me sufocou. Depois me dá um beijo na testa, seguido por um longo selinho na bochecha. Ele deixa claro o cada toque significa: ¨Me desculpa e Muito obrigado¨. Apenas.
   Eu me odeio! Eu quero me matar! Meu rosto queimou de vergonha e um sorriso quase se desenhou nos meus lábios que desejaram beijá-lo assim como ele me beijou.
   Volto a ser eu mesma quando vejo que ele está andando na direção da porta e seu braço desliza da minha cintura se afastando. Ele sabe o caminho até o banheiro e sabe que pode usá-lo quando quiser, por isso, não o acompanho. Permaneço parada no meio do quarto com a mente ocupada por uma preocupação mais importante do que um beijo no pescoço.
   Um Hyde. Um Hyde atacou ferozmente alguém ou alguma coisa ontem a noite. Tyler me atacou, mas não com a força dele, e sim com o deslumbre da força que o monstro real possuía naqueles minutos. Onde? Como? Quem? Por que? São perguntas que eu vou ter que começar a responder.

Amor SangrentoOnde histórias criam vida. Descubra agora