𝐂𝐚𝐩𝐢́𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐗𝐋𝐈𝐗 - 𝐅𝐮𝐭𝐮𝐫𝐨

178 21 32
                                    

Wandinha Addams

   Danço uma coreografia que requer passos lentos e chatos, com ele. Odeio estar abraçada por alguém, mas a valsa nos obriga, principalmente agora que descobri que esse garoto está apaixonado por outra. Ficar em seus braços me traz pontadas de desgosto afiadas, quero sair daqui, não quero mais ficar ao lado dele. Porque sei que vou chorar ainda mais se continuar por perto. Não posso parar para pensar... e quando paro, meu nariz começa a arder e meus olhos acumulam rios de tristeza. Conforme os minutos passam me adapto melhor à minha nova realidade. Não sou rainha do coração de Tyler Galpin, como eu ingenuinamente confiava ser.
   Tenho sorte de estar melhorando com o passar dos segundos, o tempo nem sempre cura as dores, mas as abrem mais.
   Isso, no entanto, não retira nem uma lasca da minha vontade de desaparecer de sua frente.
   Seus olhos focam de uma forma em mim, que chego a pensar que daqui a instantes vai abrir um buraco na minha pele. Não piscam. Ele sorri de jeito genuíno. Nossos passos estão sendo coordenados pelo nosso corpo, já que a visão não trabalham nessa parte. Está mais preocupada em focar em cada traço existente em nossas faces.

— Você está uma rainha nessa noite... - ele fala como se estivesse sob efeito de hipinose. Não sei se diz isso para quebrar o silêncio das nossas vozes, ou se realmente acha que estou bonita. Posso estar ridícula... Não quero ser iludida mais.

— Pode não me elogiar mais?... - não tenho mais a vontade, o desejo, de escutar da boca dele elogios para mim. Se nosso destino é se separar em breve, mais breve do que eu pensava, quero que seja de uma vez por todas.

   Seus olhos se entristecem. Mas enxergo concordância lá no fundo. Somos ambos sensatos o bastante para entender o que está acontecendo.

— Desculpa.

   Ele diz simples, do mesmo modo que seu braço deixa minha cintura e deixa a minha mão parada no ar.
   Sinto um vazio gelado sem seu calor colado no meu corpo. Não pensei que estivesse tão perto há tanto tempo capaz de me fazer tanta falta quando me soltou.
   Talvez seja bipolar... Minha cabeça viajou para momentos inexistentes com nós dois. Como será que é ser envolta por ele a noite inteira? Beijar seus lábios quando quiser? Ou admira-lo sem ter que dar explicações? A outra parte de mim rejeita minha curiosidade em querer descobrir. É o coração lutando com espadas contra a mente. Quando a mente é pressionada contra a parede pelos sentimentos, acabo por agir dessa forma mais "doce". Porém o meu apoio sempre foi para a razão ser capaz de finalmente matar o coração, permanecer cada segundo superior à ele. Acho que a luta está equilibrada, causando esses picos de bipolaridade.

— Obrigada por compreender. - soo fria. E ele vai direto atender o pedido de minha avó para a acompanhar.

   Sei o que a vovó está fazendo: Brincando. Comigo. Quando era mais nova, dizia que eu era muito mau-humorada, ela dava um jeito de me encher de brincadeiras e provocações para ver se eu andava para a frente e parava de fazer birra. Sinto que é semelhante ao que está fazendo agora. Mãozinha me disse que alguém tinha que me contar o que estava na cara... disse todas aquelas bobagens, que estou ainda evoluindo para admitir serem reais. Tentou me empurrar para dentro do abismo do amor. Não me surpreenderia se me confessasse agora que está trabalhando nesse joguinho junto com minha avó.
   Falando nela... Ela chega sozinha até a mesinha na qual me sentei já faz uns segundos.

— Wandinha, minha neta. Por que está com essa carinha de tédio? - diferente das outras vezes, parece estar conversando comigo sem muitas brincadeiras. Ela se senta no banco à minha frente, ocupando a última cadeira restante da pequena mesa.

   Levanto a cabeça e me ajusto numa posição ereta para conversar com ela. Suspiro antes de tudo para aliviar o peso das recentes reflexões.

— Nada. Sabe muito bem que essa é minha expressão de costume. Não vai mais dançar? É o seu dia.

— Já dancei demais! Na medida perfeita aliás. Estou achando esse dia assustadoramente arrepiante! O último ingrediente do caldeirão seria uma brincadeira breve com meus crocodilos lá em casa. Amo meus bebês!

— Lembro deles. Quase arrancaram meu dedo faz muitos anos.

   Ela solta uma risada gostosa se deliciando com a lembrança tortuosa. Meus lábios se torcem num sorriso sutil também.

— Foi falta de cuidado, querida.

— Eu sei...

   Queria poder esquecer daquele assunto, mas isso vai me matando a cada instante que passa. Se a curiosidade matasse, já estaria morta.

— Vó, por que está brincando comigo?

   Parte de seu olhar fica mais sério. Outra permanece alegre e sarcástica. Acho que é mais ou menos a seriedade do assunto. Mais ou menos.

— Wandinha, você está muito amarga, mau-humorada...

— Ranzinza, rude, seca, carrancuda e mórbida. - repito tudo que ela me falaria.

— Exato... É falta de amar.

Amar? Vó, eu não amo. Não deveria... - digo incrédula, mas ela me interrompe no meio de minhas lamentações.

Deve. - espera segundos após dizer a palavra. Seu semblante assume uma aparência sombria por inteiro. — Vai curar seu coração quebrado, Wanda. Precisa amar.

— Está tentando me empurrar para ele? O Tyler ama outra!

— Errado minha neta... Ele te ama. Vi isso. Para chegarem no futuro que lhes disse, precisarão passar por muitos desafios. Esse é um deles. Começar a assumir que amam um ao outro. Prolongar esse processo é prolongar mais sofrimento. E não sofrimento do jeito que gosta, Wandinha. Os laços que foram amarrados a vocês, não podem mais desamarrar. Estão conectados por uma força maior. A mesma que conectou todos os Addams em seus casamentos e relacionamentos mais profundos. O mesmo laço que juntou seus pais. - ela murmura olhando para o nada, em um tom de voz incrivelmente sombrio. Parece estar se recordando de algo.

— O amor não é para mim. Nunca vou ficar com ele.

Vai. Vai Wandinha. - o que me diz vem com uma confiança espantosa. — Brincadeira é brincadeira... agora falo sério.

   O medo toma conta de parte de mim. Então...

— Aquilo que disse! Sobre casamento, trabalho, filhos... Não era brincadeira? - torço para que diga que não. Para que diga que foi sim uma brincadeira. Meu coração começa a errar as batidas conforme espero pela resposta ansiosamente.

Não foi brincadeira, Wandinha. - sua voz ecoa repleta de sombras. Chaga aos meus ouvidos como um tiro. — Vi na minha bola de cristal. Serei bisavó! - finalmente o ritmo mais leve volta em suas palavras, mas o que me disse não transforma o que estou sentindo em algo tão leve quanto uma pena, mas sim, tão pesado quanto uma montanha. Eu vou ser mãe! Tyler vai ser o pai! Eu vou casar!

   Meu queixo cai no chão. Como me permiti chegar à esse ponto? Eu vou ter filhos?! Minha avó tem uma bola de cristal poderosa, ela nunca erra. É uma vidente muito boa. AHRG! QUERO GRITAR! SUMIR DO MUNDO! Como?! Não gostei de passar pela experiência de saber que posso ter um futuro como esse.
   Não tenho forças para mais nada. Nem uma palavra sai de mim. Porém da boca de minha avó, as palavras saem e escuto com atenção.

— O caminho é longo até lá. Questão de tempo. Mas vi algo na minha bola de cristal... Wandinha, tome cuidado. Não sei o que está por vir, não consegui ver claramente, mas se prepare para grandes revelações. O inimigo age de onde menos esperamos...

   Isso se assemelha a uma ameaça. Mas minha vó não está tentando me assustar e sim me alertar! Ficarei atenta.
   Faço um sim com a cabeça, bem de leve.

— Agora vem dançar comigo! É minha noite!

   Foi a última coisa que me disse antes de me puxar pelos braços e correr para dançar.

𝐂𝐨𝐧𝐭𝐢𝐧𝐮𝐚.

Ahhhh!!!!! 🙃

Amor SangrentoOnde histórias criam vida. Descubra agora