Capítulo XCIX - Qual é a verdade?

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Wandinha Addams

A situação se resolve e as paredes cinzentas e geladas não são mais minhas companheiras. Não lamento ter de deixá-las para trás, fiquei tempo o bastante lá dentro. Graças aos meus pais, me libertaram o mais breve possível. Nunca vou esquecer esse favor que fizeram para mim.
Meus membros parecem enferrujados e doloridos. De certo modo, a minha condição me fortalece já que estou extraindo forças das mais insignificantes dores para me tornar uma fortaleza impenetrável. Uma fortaleza protetora pelo meu, ou pela minha, bebê.
Já mais apresentável, encontro os rostos calorosos de meus familiares. Eles se encolhem ao notarem a frieza e a rigidez da minha expressão. Algo que não viam tão intensamente há muito tempo. Enid abre um sorriso luminoso e tenta se aproximar de mim para me abraçar, mas eu recuo bruscamente da demonstração de afeto.
Ela é atacada por um sentimento intenso de tristeza. Seus lábios desfazem o sorriso, os olhos perdem o brilho. Uma pontada de culpa me perfura, mas eu ignoro a sensação.

- Wand... - ela sussurra, mas por algum motivo suas palavras morrem ainda na boca.

Não perco tempo com ela. Olho para meus pais e para meu irmão com Mãozinha, sem saber direito o que estou esperando que façam. Estão abalados por terem a antiga e carrancuda Wandinha Addams de volta, talvez esse seja o motivo para estarem tão calados.
Meus passos soam vazios quando começo a tomar meu rumo. Meus pais estão na frente do caminho. Com uma encarada dura para os dois consigo que abram espaço, como se fossem duas portas obedientes.
Saio para o mundo real e encontro tudo normalmente acontecendo, o sol ainda brilha quente no meio das nuvens, pessoas andam entusiasmadas com suas vidas pelas calçadas e os pássaros ainda tentam encontrar um lar no meio da cidade grande. O universo não freou nem virou de ponta cabeça como aconteceu comigo. Para mim, é como se eu tivesse percorrido uma longa caminhada recheada de obstáculos, intrigas e problemas pelos quais eu tive que enfrentar com força. E parece que tudo foi ilusão no final, porque os efeitos que a jornada exerceu em mim não existem mais... Eu me sinto quase tão congelada quanto há quase 4 anos atrás. Me sinto tão sozinha quanto antes. Me sinto tão sem vida quanto os dias em que eu fingia que ele não existia na minha vida. Agora ele não existe, de verdade. Mas Tyler me deixou um presente... Nosso filho vai ter o sangue dele, alguma coisa nele vai me lembrar do amor da minha vida, e vai ser como se ele estivesse o tempo inteiro com a gente.
Suspiro o ar da cidade e pouso minhas mãos na barriga. Meu filho é meu maior companheiro. Já o amo tanto por isso...

- Wandinha? - a voz fraca de Enid ecoa atrás de mim.

Eu me viro para ela com a mesma carranca no rosto. Minhas mãos caem ao lado do corpo, e minhas palavras flutuam no ar mesmo sem serem ditas: o que você quer?

- Está tudo bem com você? - ela pergunta, com receio.

Tem como estar? A pergunta parece tão idiota... Estou viúva, com um bebê no ventre e sozinha.

- Está.

Ela começa a concordar com a cabeça.

- O tempo na prisão não deve ser muito legal mesmo... Quer ver o Tyler?

Uma coisa se ascende dentro de mim. Ela não pode estar querendo que eu visite o túmulo dele com esse convite tão leve. Não se convida uma esposa para ver o túmulo do marido de maneira tão fria e tranquila - até mesmo meio animada.

- O quê?... - pergunto, lutando contra as minhas esperanças.

- No hospital. - responde, simples. Ela me olha de um jeito estranho. - O que foi, Wandinha? Onde achou que ele estaria?

Devo estar com uma cara de idiota nesse instante. Antes que eu comece a ficar com expectativas extremamente altas, que poderiam me machucar muito se forem falsas, eu decido confirmar.
A frase ecoa com grande pesar. O gosto das palavras é horrível e angustiante.

- Ele... Ele não está morto?

Sinclair se espanta.

- Não! Ele está se recuperando da cirurgia que teve que fazer às pressas ainda no dia do ataque.

Meus batimentos cardíacos aumentam de velocidade, começo a finalmente respirar! O ar é mais leve, meu corpo tão leve quanto. A minha mente esvazia, deixando as angústias derreterem para longe.

- Isso é verdade?...

Enid balança a cabeça.

- Não. - responde. Ódio começa a florescer novamente no lugar da minha recém-chegada felicidade. Estou prestes a ataca-la quando diz: - Espera! Claro que é verdade! Ele quer te ver, inclusive. - Sinclair suspira. - Ah... O pior finalmente já passou, Tyler só tem que ficar sob observação.

Eu empurro Enid, por raiva, mas ela não chega a cair com meu ataque. Sorri e dá risadas gostosas, talvez feliz por me ter de volta. O momento é bom demais para eu me preocupar com vinganças agora.

Amor SangrentoOnde histórias criam vida. Descubra agora