#16: calma, ele não é o Jeff Buckley, é só o Joseph Quinn

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Atchim!

Um espirro, dois espirros, três espirros... — parei de contar.

Meus olhos se abrem com imensa dificuldade, pois o sofá-cama nunca foi tão confortável e desconfortável ao mesmo tempo. Basta que eu me mexa para sentir as consequências: minhas costas doem, e muito. Meus braços também, mas acho que isso é por ter carregado um homem de um metro e oitenta e poucos para cima e para baixo há umas horas. Vou precisar de fisioterapia. (Pausa para outro espirro.)

O edredom está alto sobre o meu peito e em frente ao meu rosto, logo preciso abaixá-lo com a mão para poder olhar em direção à cozinha, de onde vem o som dos espirros e...

Ah, é mesmo. Joseph Quinn dormiu aqui. Poxa, pela falha no meu armazenamento mental de memórias recentes, até parece que quem bebeu fui eu.

Atchim!

Me sento no sofá e quando o vento frio bate, lembro também de que não estou com roupa. Olho para baixo e lá está: um sutiã de renda verde-escuro já usado um milhão de vezes. Rapidamente puxo o cobertor e me cubro.

— Bom dia — diz o dono dos espirros, de lá da cozinha. Um forte cheiro de omelete temperada rodeia a casa. Uma mistura de manteiga, ovos, talvez tomates... — Dormiu bem?

Não respondo, mas fico olhando para ele como se fosse uma alucinação. Igual a um unicórnio, ou à aparição do papai, ou ao Joseph Quinn vindo dormir comigo no sofá no meio de uma madrugada. (...?)

Como não obtém resposta, ele indaga como quem não quer nada:

— Lia, vem cá, a gente não transou ontem, não, né?

Preciso de um minuto. Abaixo a cabeça com a palma da mão pressionada contra os olhos e tento pensar. Tento, tento, mas Joe não para de espirrar.

— É claro que não, idiota — fecho um olho para cobrir a visão da luz da janela sobre a pia. Daqui, Joe parece ótimo. Não está com a cara de quem bebeu treze cervejas, zero ressaca. — Você estava bêbado, transar com você seria errado pra caralho.

— Ah, é que eu acordei quase nú e você também, então supus...

Ele está na minha cozinha como se fosse dele. Joe e sua facilidade em marcar território. Aos poucos minha mente vai estabilizando e eu vou ficando cada vez mais confusa, e não o contrário, com cada ponto que enxergo ali. Quinn está cozinhando. Não está com a mesma roupa, suja de tinta, de ontem. E não para de espirrar. Que porra...

— Por que você tá espirrando? — resolvo começar por aqui.

Ele fecha o semblante, embora eu só consiga enxergá-lo de perfil, sacudindo a frigideira próximo ao fogo e mexendo o que suponho ser a omelete com uma das minhas espátulas cor-de-rosa. Usa o mesmo utensílio de cozinha para apontar para cima da minha geladeira, onde está agora o meu jarro de violetas ao lado das pervincas, que antes estava sobre a mesa de jantar. Acusando o culpado.

— Aquela porcaria ali — reclama, balançando a cabeça negativamente. — Precisei tirar, afastar de mim para que pudesse cozinhar, e agora simplesmente não paro de espirrar. — Ele funga.

— Porcaria não — protesto. Prendendo o cobertor na altura do meu pescoço e deixando que arraste no chão ao sair do sofá, vou para o quarto sem olhar para trás. — São as minhas flores e são lindas. Porcaria é você.

— Besteira — ele grita do outro cômodo enquanto escolho qualquer roupa para me cobrir, muito embora por ter dormido comigo, suponho que já tenha me visto seminua. — Quem dá flores em pleno 2023?

— Por isso você tá solteiro. Você é um ogro. Eu adoro receber flores.

— Brega.

— Sem graça — retruco. Ficamos em silêncio enquanto eu escovo os dentes e ajeito o cabelo, sentindo o cheiro forte da cerveja impregnado nos cômodos, até que volte à cozinha. — Como é que você arranjou outra roupa? — Sento-me numa das cadeiras e belisco um pedaço de tomate cru cortado, assistindo ao espetáculo de Joe cozinhando para mim.

as you want || joseph quinnOnde histórias criam vida. Descubra agora