#7: de Love Story para High Infidelity

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— Então depois que você saiu aos tropeços da casa do Joseph — recapitula Lucian, dedilhando o isqueiro em frente ao cigarro —, você ainda passou por uma viatura?

Ming e Lucian tomaram café da manhã comigo, preocupados quanto a minha fuga na noite passada. Eu chorei até dormir, nada demais. Olivia não falou comigo desde então — e acho que é o melhor, visto que ainda não sei bem como me sentir quanto a tudo que aconteceu e as coisas que descobri. Acima de tudo, ainda não sei o que fazer.

Na verdade, sei.

Teoricamente é bem mais fácil do que na prática.

— Sim — confirmo, enxaguando uma frigideira, de costas para ele e Ming. — Fiquei com medo, mas quando vi o policial me mandando um beijinho atrás do pára-brisa, fiquei tranquila.

— Ele queria te prender na cama dele — Lucian ri.

Pelo canto do olho e por trás do ombro, enxergo Ming distraidamente mexer no celular e responder:

— Ah, eu adoraria. Seria mais um item pra minha bio do Tinder.

— Já tem quantos itens nessa sua coleção? — indaga Lucian, no meio de uma tragada. Ming apenas dá de ombros. Todos nós aceitamos a resposta.

Às 8h da manhã estávamos comendo ovos com bacon — super americanizados, ideia do Lucian —, e às 10h estávamos abrindo o vinho. Na nossa amizade, tudo se resolve com vinho. Acho que todas as coisas no mundo deveriam ser assim. Tá com problemas? Toma um vinho. Foi traída? Toma um vinho. Sua irmã é uma católica louca que finge que gosta de você porque sua mãe é homofóbica? Toma um vinho. Só não vai funcionar se você for alcoólatra.

— Enfim, Lucian — suspiro, fechando a torneira e permanecendo de costas para eles. — Resumidamente: você fez certo em ir embora nos primeiros minutos de festa.

— Que nada, eu adoraria ter visto a apresentação de Love Story — posso ouvir o sorriso na sua voz —, seria a quinta vez.

— Você é uma das nossas vítimas — Ming ri. — A favorita.

Eles ficam conversando por alguns segundos onde me perco olhando através da janela de cima da minha pia. O meu apê fica em frente a um condomínio, e por morar num dos andares mais altos, consigo ver as ruas e casas que aquele local abriga. Asfaltos vazios e limpos, carros caros, famílias unidas, dinheiro à rodo. Quanto custava para o universo errar um mísero cálculo na minha vida e eu nascer heterossexual para poder viver num lugar desses?

A Lauren é o maior exemplo disso. Hétero, católica e a queridinha da mamãe. Ficou com toda a parte boa da maternidade: o carinho e o dinheiro. Não precisa dar duro para nada, consegue tudo de mãos beijadas. Às vezes ela se compadece e me dá dinheiro para o aluguel e eu gasto com bebida. Ela acha que sou pobre, embora tenha um filme (quase dois) produzidos provindos dos meus livros. Eu curto deixá-la na ilusão.

Amanhã é aniversário dela. Hoje é o dia da refeição mensal para abater a culpa da mamãe, como o Ming costuma chamar. Será um almoço.

— Você precisa relaxar — ouço a voz do Ming atrás de mim e logo em seguida suas mãos apertando meus ombros numa massagem improvisada. — Tá toda dura, parece até que vai se encontrar com o presidente.

— Sinceramente, não sei o que é pior — respondo, abaixando a cabeça de toda aquela felicidade rica atrás do meu apê.

— Acho que a Lauren é pior do que o Joe Biden — opina Lucian.

— Vai sair tudo como o esperado — diz Ming, massageando pessimamente os meus ombros. Ele é terrível nisso, mas eu não digo nada. — Você vai ouvir todas as baboseiras dela, vai desejar um feliz aniversário, vai ficar calada quando ela falar sobre a Igreja, vai aceitar o dinheiro e comprar um vinho, e vir para casa encher a cara. Vai dar tudo certo.

as you want || joseph quinnOnde histórias criam vida. Descubra agora