#18: uma pitada de misandria à gosto

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Sabe quando você volta do treino da academia ou de sua corrida matinal, toda suada, e todo mundo corre quando você ameaça-os com um abraço? Sabe quando a gente derrama um fio de óleo numa panela com água e eles simplesmente não se misturam? Sabe quando sua maquiagem está toda borrada e você está fedendo a álcool e a cecê depois de uma noitada daquelas e uma criancinha passa te olhando com horror, mantendo distância? Sabe quando o diretor do seu colégio detesta tanto você e sua turma por arranjarem encrencas que evita ficar mais do que um minuto no mesmo ambiente que vocês? Sabe quando a sua mãe está tão puta com seu pai que se desdobra pela casa, quase se arrastando pelas paredes, só para não tocá-lo? Enfim...

É a minha atual situação com Joseph.

Sim, regredimos consideravelmente, eu sei. Mas não pode ser justo que ele esteja saindo com alguém — infinitamente mais bonita do que eu, vale lembrar —, durma de cueca agarradinho em mim e depois aja como se nada tivesse acontecido. Não é justo que ele me beije na frente da minha irmã para, quando chegar em casa, transar com uma outra mulher sobre a qual nunca me deu qualquer informação. (E nem me disse que tinha um bichinho de estimação!) Não é justo que, sóbrio, ele brinque sobre o quanto eu sou inferior em aspectos físicos se comparada à Lauren, mas bêbado diga que sou a coisa mais linda que ele já viu.

Existe uma grande possibilidade de que eu esteja exagerando. E tudo bem, porque eu sempre tendi a surtar mais facilmente. No entanto, mesmo que eu esteja, não importa, porque é simplesmente como eu, de fato, me sinto.

Estou cansada. Preciso de uma pausa. De qualquer forma... a gente nem se dava bem mesmo.

Por isso estou me esquivando dele igual ao Keanu Reeves fez com as balas em Matrix. Quando me perguntaram onde o Joseph estava, na quarta-feira, no trabalho, eu disse:

— Deve estar por aí sacaneando criancinhas. É a cara dele fazer esse tipo de maldade.

Quando ele veio me comunicar sobre o aniversário da morte do Jeff Buckley, na quinta-feira, eu disse:

— É realmente uma pena que homens bons de verdade tenham morrido e certos outros caras ainda estejam vivos.

Ele pareceu assustado e confuso, então dei as costas e me afastei.

Estamos gravando algumas cenas num carro alugado, que dão o sentido do nome da obra (One For The Road), e escolhi não participar de muitas delas, confiando no trabalho de Ming. Na sexta-feira cheguei atrasada no estúdio porque emprestei o meu carro à Lauren e perdi o ônibus.

— Por que não me ligou? — questionou Joe, no único momento em que conseguiu me ver sozinha, mexendo no celular na fila para o banheiro. Sua voz mansa como nunca esteve. Ele e sua típica e falsa preocupação comigo. — Eu poderia te dar uma carona, Lia.

Vê-lo de perto depois disso me faz lembrar de como me abraçou naquela noite e... Não. Eu não posso lembrar disso, droga.

A porta do banheiro abriu, a figurinista saiu com um sorriso tímido para nós dois e eu guardei o celular no bolso.

— Prefiro morrer do que pegar uma carona com você.

Ele sorriu, achando que eu estava brincando como sempre brinquei, muito embora estivesse sendo consideravelmente mais punk na escolha das palavras. Bobinho.

No sábado de manhã, acordei com um toque na campainha e, ao abrir a porta, um buquê cheio de flores de enormes pétalas roxas com manchas pretas e brancas, rodeadas por outras de longo comprimento, num tom escuro de rosa. No papel cartão, a mesma caligrafia de sempre: "Calluna, Amor-perfeito". Mais um buquê para o topo da minha geladeira. Não falta muito para não caber mais. Gostaria que essa pessoa desconhecida que está enfeitando a minha cozinha e os meus dias aparecesse e me ajudasse a degolar Joseph Quinn, fugindo comigo para Maldivas. Felizes para sempre, uma linda história de amor — e sangue.

as you want || joseph quinnOnde histórias criam vida. Descubra agora