#5: você não é azarada, você só invade quartos alheios

196 24 85
                                    

Os próximos dias de gravação foram divididos entre eu e o Ming. Nunca eram dias consecutivos, sendo assim, geralmente, dia sim e dia não — quando não havia diferença de dois dias entre uma cena e outra, ou separação por feriados e fins de semana.

Foram poucas as vezes em que eu estive presente em uma cena feita entre o casal, Natalie e Michael/Olivia e Joseph. Nos meus revezamentos, as gravações eram focadas na Olivia. Estamos todos nos saindo muito bem na construção da personagem, e ela estava se mostrando uma atriz muito melhor do que eu achei que seria. Uma verdadeira evolução. Existe a possibilidade de isso ser devido ao dia a dia com um ator de verdade, como o Quinn.

Mesmo assim, de vez em quando eu participava quando o Joseph Quinn estava presente. Ele não olhava muito para mim, especialmente depois do dia em que eu peguei seu precioso colar de ouro — que descobri, mais tarde, ser caríssimo. Isso fez da minha vitória uma vitória dupla. O aniversário da Lauren não está distante, e eu meio que já sei o que vou dá-la de presente. Um salve para o Joseph.

Eis a forma como nossos "encontros" se desenrolam: ele sempre chega antes de mim (o que me faz questionar que talvez esteja dormindo em uma das gavetas dos armários do estúdio), quase todas as vezes com um copo térmico de chá (que tem cheiro de ervas doces), não responde quando dou bom-dia (nem boa tarde, mesmo que fosse o caso de ele não ser uma pessoa diurna), e vira o rosto todas as vezes em que os nossos olhares, sem querer, se cruzam. Não que eu me importe, é claro.

A única vez em que realmente o peguei olhando para mim, de canto de olho, quase terminei por bater nele com o manuscrito do livro que estava em minha mão, porque achei que ele estivesse encarando os meus peitos. Mas na verdade era para o seu colar que ele estava olhando. E nem disse nada.

Guardei no sutiã e continuei a trabalhar.

Posso dizer que ele é o homem mais cavalheiro que já conheci: não fala comigo e não diz nada quanto ao colar que lhe roubei. Isso se ignorar o fato de que ele me chamou de vaca na primeira vez em que conversamos.

Em contrapartida, a relação dele com a Olivia é que vem crescendo e me incomodando continuamente. Nas poucas cenas de casal, eles parecem muito à vontade, sempre perto um do outro, aceitando qualquer desculpa para tocarem-se; o que é totalmente normal por conta da convivência. Porém, tenho percebido a forma com a qual ela simplesmente ignora a minha existência sempre que ele está por perto, tal como o próprio Joseph Quinn faz. Talvez seja um reflexo, mas não é muito romântico da parte de uma namorada.

Nossa vida como casal é ótima, e tudo está, aparentemente, encaminhando-se bem para o dia em que decidamos morar juntas. Dormimos juntas, preparamos refeições, rimos bastante na companhia uma da outra e nossa vida sexual é relativamente ativa. Mas isso é do estúdio para fora. Aqui dentro é completamente diferente.

Estou acabando de passar o batom vermelho em frente ao banheiro do cenário da casa do Michael, quando o Ming entra. Contextualizando: todos do elenco estão se aprontando para ir a uma festa organizada na casa de... alguém. Pretendo descobrir quem.

Noto o Ming me encarando fixamente no espelho. Tenho a impressão de que ele está com vontade de me dizer algo há um tempo, mas não pressiono. Agora mesmo parece que ele está engolindo as palavras como se fossem pregos. Eu devia perguntar o que é.

Em vez disso, o que eu pergunto é:

— Tô com muita cara de piranha?

Ele ri, como se fosse negar. No entanto, para por um tempo e analisa com seriedade.

— Tá.

Meus ombros caem, encolhendo em decepção. Não tenho costume de usar batom vermelho, não sei o que estou tentando com isso. Mesmo assim, quis tentar.

as you want || joseph quinnOnde histórias criam vida. Descubra agora