#27: fígado estragado à venda na deep web

165 18 97
                                    

As portas se abrem.

Já faz vinte e quatro horas que aguardo por essa campainha. Desde que nos vimos na locadora, ninados pela inevitabilidade do Destino, não nos vimos mais — há vinte e quatro horas e alguns minutos. Fiquei me perguntando se ele não tinha esquecido o meu endereço, afinal, eu só disse em voz alta e não anotei em nenhum papel. No lugar dele, depois de tanto tempo longe um do outro, se eu ouvisse seu endereço, seria capaz de esquecer até do meu só para lembrar do dele.

Não existe mais comprimento nas minhas unhas — roí todas. Dividi duas garrafas de vinho com o Ming ontem à noite, relatando o acontecido; resultado: ligamos, bêbados, para Chris (que em breve virá morar na Itália, com Ming) e para Lauren — que estava dormindo, portanto, quem atendeu foi Lucian. Fofos. Ele até a filmou babando no travesseiro. Obviamente, fiz várias capturas de tela.

E agora, finalmente, a campainha toca. É com essa sensação de "finalmente, porra!" que eu abro a porta.

E me deparo com... um carro preto? Serei sequestrada e meus órgãos serão vendidos na deep web nos meus primeiros dias na Itália? Como se diz sequestro em italiano? Será que eles sabem que eu bebo vinho pra caralho e que nem vale a pena vender meus órgãos porque certamente estão uma merda? Ai, meu Deus do céu, não imaginei que esse seria o meu triste fim.

Logo surge um tranquilizador senhorzinho grisalho e baixinho, que aparentemente estava conversando com a minha vizinha de baixo, e ri pedindo desculpas — então se dirige ao carro e, abrindo a porta traseira, um gigantesco amontoado de flores brancas começam a aparecer, inflando feito air bags, mal cabendo onde foram colocadas. Meu coração vai ao chão, e eu nem sabia que ele era capaz de fazer isso. Pelo menos, do chão não passa.

— É a senhora Quinn, não é?

Tudo bem, meu coração ultrapassa o chão, chegando ao subsolo. É, do chão passa, sim.

A única coisa que consigo fazer é assentir, estaticamente paralisada à porta. Sou a senhora Quinn? Não. Gostaria de ser? Sim. Provavelmente essa resposta dá no mesmo.

O senhorzinho pega um pouco das flores, deixa na minha porta, volta, pega mais flores, deixa na minha porta — e percorre esse trajeto mais umas cinco vezes. É sério, são muitas flores.

E então, quando eu acho que acabou, ele se encaminha ao porta-malas.

Puta que pariu.

Mais flores. E mais, e mais. A última vez em que vi tantas flores foi na casa de Lydia Trueman, e o contexto é completamente diferente.

Assim que o senhor acaba de descarregar aquela multidão absurdamente exagerada e exageradamente absurda de flores; impedindo a passagem de qualquer ser humano, da porta até a sala de estar; depois que dois vizinhos passam olhando curiosamente para mim; ele pega o celular e lê o que suponho ser uma mensagem enviada pelo remetente:

— "Senhorita Quinn, me desculpe por não enviar essas flores pessoalmente. O problema é que tenho muita alergia. Espero que goste, sua maluca. Se não gostar, o problema é todo seu. Com muito amor, senhor Quinn". Desculpe, não fui eu quem te chamei de maluca, mas sim o remetente. Pode assinar aqui, por favor?

Trêmula, pego a caneta e assino com letras tortas no papel: Lia Quinn. Meu cérebro formula um milhão de interrogações no segundo em que tracejo a última letra N. Eu apenas embarquei nessa loucura, quem pode me julgar por isso?

E quando entro em casa novamente, não sei onde enfiarei tantas flores para o caso de o alérgico vir me visitar.


✿✿✿


Corro para atender a campainha quando ela toca pela segunda vez, após cinco horas; e a segunda surpresa é ainda melhor do que a primeira, porque desta vez se trata do real remetente; o único que consegue fazer meu coração acelerar quando o vejo ainda mais do que quando suponho que é ele à porta. E todas as vezes em que o vejo, como de costume, parece estar, ao menos, uns dez por cento mais lindo, considerando toda a saudade que tenho sentido dele e que não cessou com aquela pegação no elevador. Pelo contrário, só aumentou. Como se você soubesse que alguém está perigosamente faminto e lhe desse somente uma pequena migalha de pão; a fome não vai embora, apenas será atiçada. Sobre Joseph Quinn, eu sempre quero mais.

as you want || joseph quinnOnde histórias criam vida. Descubra agora