Capítulo 6

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— Bryan! —  tento fazer minha voz sobressair naquele caos masculino, repleto de gritarias e histerias que só um homem jogando futebol é capaz de fazer. — Bryan! — chamo mais uma vez.

Um dos jogadores olha pra mim de relance, se aproxima do outro, de costas, o cutuca e aponta pra mim. Bryan abre um sorriso quando me vê e larga o jogo pra trás, ignorando as reclamações de todos os outros do time.

O garoto parecia até um bobo com aquele uniforme azul, dois tamanhos maior, a blusa por dentro do short, com a logo do Instituto estampada: três estrelas da constelação Órion, em destaque. Era a camisa de futebol mais careta que eu já tinha visto. Mas o que esperar daquele colégio cafona e elitista?

Minha avó sempre fez questão que eu estudasse em uma das melhores escolas particulares do Rio. Tanto que deixara tudo pago até minha formatura, antes de morrer, porque tinha certeza que isso aconteceria em breve. Mônica ficou furiosa, já que a decisão afetou consideravelmente sua herança, o que ela só descobriu após a morte. Nem mesmo eu sabia, foi a diretora quem me contou, pois minha avó havia pedido para que guardasse segredo até o seu falecimento. Dona Ceci agiu escondido para que ninguém a impedisse. Ela era uma mulher muito decidida. 

Esse foi o último presente que ela deixou pra mim, uma tentativa de cuidado mesmo na sua ausência. E embora eu agisse como uma ingrata, odiando aquele lugar e sendo quase expulsa, eu sentia o amor da minha vó por mim na proteção daquelas paredes cinzentas. 

—  Oi, gatinha. O que houve? — Bryan chegou perto, pingando de suor. Os treinos do time de futebol do Instituto Três Marias eram todas as segundas-feiras, após a aula. Era por isso que, mesmo com a escola quase vazia, na véspera do feriado que havia caído bem na terça, Bryan e seu arsenal de otários se faziam presentes naquela quadra.

Eu só não havia faltado porque, além de detestar ficar em casa, havia uma coisa muito importante pra falar com ele.

— Eu pensei melhor. Acho que devíamos voltar ao normal.

Danilo realmente havia me ajudado a voltar a me sentir à vontade com Bryan. Não do jeito que eu imaginava, é claro. E passar o restante do fim de semana sozinha, presa no quarto, tremendo toda vez que ouvia alguma porta se fechar ou algum passo se aproximar, não foi uma experiência tão divertida.

Bryan colocou as mãos na cintura e desviou os olhos, rindo.

— Sabia. Até que demorou dessa vez.

Reviro os olhos e dou as costas pra ir embora, irritada.

—  Calma aí! Amor! —  ele corre atrás de mim e me segura, fazendo eu me virar.

— É brincadeira. Tô feliz por você ter voltado a si.

Sinto o impulso de me virar outra vez, mas não o faço. Preciso dele. Preciso estar com ele. Ele é o único que não me rejeita. É o único que não me deixa sozinha, que não me manda no meio da noite pro inferno da minha casa para enfrentar meus demônios sozinha.

Sendo assim, eu posso aceitar os demônios dele também.

— E aí, você topa aproveitar essa véspera de feriado e ir à Diamonds comigo hoje? Geral vai brotar.

— Eu não tenho lembranças boas daquele lugar, Bryan.

— Sei que não. Mas podemos criar hoje. Vamos, por favor.

Considero por alguns segundos. Até que ele estava sendo fofo. Criar lembranças boas? Era tudo que eu precisava com ele.

— Vou poder usar a roupa que eu quiser?

— Pode. Eu dou meu jeito de não me importar. E de proteger você. Eu agi como moleque naquele dia, não vou mais fazer isso. 

Forço um sorriso, tentando acreditar. Seria mais fácil se eu acreditasse.

Cada SegundoOnde histórias criam vida. Descubra agora