— Oi! — cumprimentou a primeira cliente da Olimpo Tattoo naquele sábado. A garota tinha cabelos lisos, pintados de vermelho, e parecia ter sido engolida por um guarda-roupa dos anos 90. — A perfuração tá quando?
Lição nº1 de atendimento ao público: eles sempre vão te perguntar algo que está escrito em uma placa gigante lá fora.
Pisco algumas vezes para ela. Tinha esquecido de como era insuportável, às vezes, ser obrigado a lidar com pessoas quando você só quer se isolar em um quarto escuro. E a menina estava sem sorte, porque aquele, definitivamente, não era o meu melhor dia.
— Bom dia, é piercing? — Danilo pergunta, saindo da sala privativa do estúdio, antes que eu pudesse reunir o pouco de paciência que havia me sobrado para respondê-la, apesar da ruiva não ter culpa alguma por eu ser uma pobre garota infeliz.
Não consigo deixar de notar como os olhos da garota parecem mudar quando Danilo entra em cena. Eles cintilam, assim como os seus dentes, no sorriso largo que abre.
Mas, tudo bem, era compreensível. O Danilo era mesmo um ótimo colírio, principalmente quando usava aquele uniforme de camisa polo, apertada nos braços. Fazia com que qualquer um quisesse tê-lo por 24h em seu campo de visão.
A garota assente.
— Nos mamilos — ela complementa.
Levanto uma sobrancelha, surpresa.
— Vem cá, vou te mostrar alguns modelos — ele a chama.
Acompanho os dois com o olhar enquanto entram na sala e vejo como ele repara em seu cabelo cor de fogo, suas roupas estilosas e as tatuagens de blackout. Olho para baixo, pro top preto que eu havia colocado para deixar todas as minhas tattoos à mostra e ser a melhor recepcionista possível de um estúdio de tatuagem. Danilo não havia falado nada sobre. Na verdade, ele não havia falado nada de nada, na nossa viagem silenciosa de ônibus até o estúdio. E muito menos eu.
Bufo, checando as horas no visor do celular. Ainda faltava muito para o fim do expediente. Apoio meu queixo na mão, quase que deitando no balcão da recepção. As músicas bregas e melosas da noite anterior iam e voltavam da minha cabeça a todo momento, junto à sensação de ser levada pelos braços de Danilo, que me seguravam junto ao seu corpo, nos fazendo deslizar pelo salão. Eu nunca tinha dançado com ninguém antes e agora já era a segunda vez que Danilo me tirava para a pista de dança. E, não sei como e nem porquê, mas aquilo parecia mais íntimo do que as minhas outras primeiras vezes...
Fito o quadro na parede ao lado. Mesmo com mais ninguém na recepção do estúdio, a sensação de me sentir observada persistia e a culpa era dos meus próprios olhos gigantes me julgando. Creio em Deus Pai. Como Fred havia achado que estampar minha cara na parede seria uma boa ideia?
É claro que eu estava com uma boa maquiagem, o meu cabelo parecia ter acabado de sair do salão, eu estava no ápice da minha beleza jovem e... ok, dava pra entender. Na verdade, era até meio chato ficar ali competindo com aquela foto quando eu sabia que na vida real minha postura era de corcunda e, minha pele, repleta de poros.
Isso era curioso, porque aquela foto foi o primeiro contato de Danilo com a minha existência. E parecia uma armadilha para um episódio depressivo me perguntar a pessoa que ele teria idealizado a partir dela. Eu não queria nem pensar sobre isso, porque, com certeza, não era nada como a pessoa que ele conhecia agora.
A risada de Kya me acomete, de repente. Lembro dela, sentada no chão de meu quarto, olhando pro seu pôster rasgado. Era só uma imagem de mim, garota. Não sou eu. Eu sou eu. Não preciso me enxergar através de nada.
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Cada Segundo
RomansaLola quer escapar da sua vida de qualquer maneira. Com a ajuda do seu namorado, Bryan, a garota planeja se casar após se formar no ensino médio, para enfim sair de casa e se livrar da sua mãe, com quem possui uma relação desafiadora. Porém, Lorena R...