A Santa Inquisição | As Crônicas de LÚCIFER

Iseu IV

Quando Iseu ficou consciente percebeu que sua cabeça doía muito. Ele tentava se lembrar do que havia acontecido, enquanto sua visão ajustava-se ao local em que estava. O lugar deveria ser uma masmorra; as paredes eram negras e a estrutura era gótica, várias estátuas assustadoras preenchiam todo o ambiente, Iseu tinha a impressão de que o encaravam e o vigiavam atenciosamente.

Tentou se mover, não conseguiu. Percebeu que estava ajoelhado, e que suas mãos estavam presas por algemas atrás de si. Tentou concentrar-se e recorrer à magia de Cavaleiro de Dragão para se libertar, mas ela não vinha. Sentiu algo extraindo sua força quando tentava usá-la, eram as algemas, elas estavam impossibilitando a sua capacidade mágica de agir. Virou o rosto para sua frente, e estreitou os olhos para enxergar uma bandeira que erguia-se pregada à parede negra; o estandarte estampava uma dama chorosa sobre o fundo branco. Lembrou-se, de repente, que Conrad já falara sobre esse emblema, disse-lhe também para tomar cuidado quando avistasse alguém carregando-o, era o símbolo da Casa Yvaneide, que tinha como fundadora lady Perséfone, o Mandamento da Fé. De súbito, lembrou-se de tudo.

Fechou os olhos, frustrado. Não queria deixar as lágrimas descerem. Recordou de como lady Catherine junto de Perséfone chegaram e inutilizaram-no. Lembrou-se dele tentando resistir, e de Turmalina, sua dragão, entrando na frente de um ataque para defendê-lo. Tolo, como sou um tolo! Relembrou que todos aqueles dias treinando com Conrad e Francine na Floresta das Assombrações, eram para fortalecê-lo, ele treinava pensando no dia em que teria a chance de enfrentar Catherine novamente, sonhava em derrotá-la e matá-la, conseguindo finalmente sua vingança. Só agora percebia o quanto fora tolo. Naquele dia, Iseu usara magia de fogo, terra, e água; usara flechas e usara sua espada, mas tudo fora inútil contra Catherine. Parecia que a moça estava lutando com uma criança. Quando uma aura negra envolveu-a, ela tornou-se mais rápida que a própria escuridão, Iseu não conseguia sequer acompanhar seus movimentos com o olhar. Fui tolo o bastante para pensar que conseguiria derrotá-la, deixei os sentimentos atrapalharem minha lógica... Chorou frustrado. Deveria ter fugido... Quem sabe, se o fizesse, Turmalina e Conrad estariam bem.

Seu peito apertou-se quando pensou neles, onde estavam? Será que conseguiram fugir? Será que tinham morrido? Não havia como Iseu saber. A última coisa de que se lembrava era de Turmalina desmaiada ao seu lado, e de Conrad sendo derrotado pelos espíritos que Perséfone invocara. Lembrava-se também de como temeu por sua vida, e da ponta de angústia que sentiu enquanto Catherine Silver enforcava-o contra a parede, e apontava aquele osso ensanguentado que saía de seu braço para ele. Desmaiou, sem ar, devido ao enforcamento.

Agora que pensava com clareza, Iseu estava confuso. Se a igreja queria vê-los mortos, tanto que mandaram duas dos mandamentos para a missão de assassiná-los, por que ele ainda estava vivo? "Se o dragão morrer, seu cavaleiro herda e potencializa sua magia; mas se o Cavaleiro de Dragão morrer, seu dragão enlouquece e cede ao lado das trevas, com uma força devastadora". As palavras de Conrad reverberaram em sua cabeça. Será que a igreja estava atrás de seu dragão, não dele? Por isso conservavam-no vivo... Mas para quê? Por que motivo queria Turmalina? Ela não tinha serventia a outros, não seguiria as ordens de ninguém que não fosse Iseu. E afinal, onde estava ela agora? Se Iseu estava vivo, não havia motivos para matar Turmalina, mas ele não a via em lugar nenhum. E Conrad... Seu amor. Onde estava? Tremeu com a ideia de nunca mais vê-lo, de nunca mais sentir aquele toque... De nunca mais ouvir sua voz.

Enquanto observava aquele emblema na parede, notou que ouvia vários pingos de chuva que batiam no telhado. Não havia erro, estava em alguma masmorra do Reino da Chuva, ladies Catherine e Perséfone levaram-no para lá. Por que não para o Papa Inocêncio? Por que não para a igreja, ou para Yankeng, onde Catherine era lady, e estariam mais próximas de Sanctuary? Por que prendê-lo ali, tão longe... Todas essas perguntas estavam piorando a dor de cabeça de Iseu. Perguntas das quais ele sabia que dificilmente teria as respostas.