Iseu II

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Supunha que já se passara dois dias após a morte das únicas pessoas que Iseu amava, e dentro dessa caverna escura ele já se cansara de chorar.

Era noite, ou era dia? Iseu estava com medo de tentar descobrir. Permanecia escondido, sabia que era caçado pelo aquela família de assassinos, lembrou-se quando a mulher de cabelos brancos matara e rira de tio Ilhyos, Ian e Jhonatan. Cerrou o punho com a lembrança e socou forte a parede da caverna.

Não queria ficar ali, mas não tinha muita opção; ou ele confiaria em Conrad ou ele morreria. O rapaz de cabelo branco dissera que ninguém o encontraria naquele lugar antes dele, e Iseu torcia para que isso fosse verdade. Quando chegou ao local marcado no mapa, estranhou ao ver só uma caverna. Retirou a pedra da frente do caminho e encontrou a passagem; entrou e fechou-a novamente, e estava lá desde então.

No ambiente tinha um poço, e Iseu podia beber água e banhar-se lá; explorando-o também foi capaz de encontrar mantimentos, deduziu que tudo pertencia aos Silver. Aquele local... Era um esconderijo dos assassinos. Encontrou pão, queijo, feijão, temperos, algum peixe, e até mesmo vinho e cerveja quentes. Esses dois dias passou ali, sem ver a luz do sol uma única vez. Apenas uma fogueira feita com lenha que já estava lá, e alguns carvões acesos com duas pedras que Iseu batera, iluminava o local.

Mordendo um pedaço de pão com queijo e tomando um pouco de cerveja preta Iseu observava aquela pedra verde claro próxima à fogueira. Era tudo culpa dela.

Jhonatan era seu amor, seu homem; tinha poucos dias de vida devido à doença, e mesmo assim fora assassinado antes do tempo certo. Tio Ilhyos era um homem bom, trabalhador e honesto, e sempre fizera de tudo para que Iseu e Ian não passassem necessidade, mas mesmo assim fora assassinado sem piedade. Ian sempre defendera Iseu quando os outros meninos queriam bater nele, sempre tomara a frente; sonhava em ter uma família, em se casar e ter filhos; mas por culpa daquela pedra o seu sonho nunca seria realizado. Tudo culpa daquela pedra... Ou era culpa de Iseu?

O garoto continuava bebendo cerveja, era a única coisa podia fazer para afogar suas mágoas. Naquela noite Iseu sentira-se impotente, não podia fazer nada contra aquela assassina. Quando Conrad o disse para fugir nem mesmo cogitou a possibilidade de ajudá-lo, nem mesmo sabia se o rapaz estava vivo ou morto... Fosse como fosse, Iseu estava sozinho; era apenas ele e aquela maldita pedra.

"Quebre a roda, seja o próximo Cavaleiro de Dragão", Jhonatan dissera. Deveria ter vendido esse "ovo" e ter tratado de sua doença; Iseu acabara de ganhar o amor de sua vida, o seu homem, e num instante o perdera. A sua felicidade extinguira-se mais rápido do que as faíscas que Iseu usou para acender aquela fogueira. E tudo por culpa daquela pedra, Iseu pensou amargurado enquanto tomava mais cerveja.

Começou a ficar tonto, o efeito do álcool estava começando a pegar. Iseu segurou a garrafa de cerveja e atirou-a com toda força na parede, gritando. Ficou satisfeito ao ver todos os pedaços de vidro e o resto do líquido preto escorrer para baixo na parede de pedra da caverna. Olhou para o ovo perto da fogueira e recomeçou a chorar, soluçando. Pôs a mão no peito e sentiu as batidas rápidas do seu coração, sorriu de canto ao ver que ele ainda estava lá; pois podia jurar que ele despedaçara-se também. Mas quem iria perceber as suas lágrimas? Não tinha mais amigos, nem sabia se Conrad estava vivo e viria encontrá-lo, perdera tio Ilhyos, Ian e Jhonatan, a perda de Jhonatan era a qual doía mais. Iseu estava sozinho.

Sozinho não, havia também aquela maldita pedra verde.

Iseu aproximou-se e segurou a pedra com ambas às mãos, observando todos os seus detalhes. Era uma pedra oval, dura, de superfície escamosa. Era verde claro, e brilhante como um diamante; parecia mais uma pedra preciosa que um ovo de verdade. Será que Jhonatan enganara-se? Mesmo que essa pedra tenha sido um ovo no passado, todo esse tempo que passara sem chocar deve a ter petrificado; e agora não passava mesmo de uma pedra. "Dizem que um ovo só choca quando o dragão se sente seguro com o seu portador", dissera Jhonatan na noite em que lhe deu o presente. Iseu entendeu que o ovo queria uma pessoa corajosa e de bom coração; mas o rapaz tinha certeza que Jhonatan o era, então porque não chocara com ele? Não é ovo nenhum, só uma pedra. E seja como for, se passou onze anos sem chocar, porque chocaria comigo?

A Santa Inquisição | As Crônicas de LÚCIFEROnde histórias criam vida. Descubra agora