A Santa Inquisição | As Crônicas de LÚCIFER

Risonett I

Risonett Fullice estava ansiosa para que chegasse sua vez de lutar.

Mesmo no inverno incessante, ela não sentia frio. Naquela vasta imensidão do coliseu da Antiga Noruega a mulher parecia uma formiga no meio das milhares de pessoas na arquibancada. Fora separado um lugar exclusivo para os desafiantes do dia. Quando o torneio começou, havia cerca de trinta homens junto dela, mas agora só sobrara ela. Risonett viu cada um dos trinta cair de um por um perante um dos guardas reais da lady da terra de sempre inverno, mas mesmo assim, isso não assustava a mulher. Era a última desafiante que sentava na arquibancada, mas as várias pessoas que assistiam a luta no centro do coliseu pareciam não se importar com ela. O show da batalha estava muito mais interessante. Risonett agradecia por isso, não gostava quando ficavam reparando nela. Temia o fato de que descobrissem que era mulher.

A armadura de aço que cobria dos seus pés até o elmo de sua cabeça escondia essa pesarosa verdade. Para as demais pessoas que observassem aquele desafiante com uma rápida olhadela Risonett era um desafiante comum, rico por conta da armadura, mas comum. Entretanto, se alguém pedisse para que retirasse seu elmo, a mulher estaria perdida; pois as feições de seu rosto entregariam seu gênero. Por mais que Risonett se esforçara para parecer-se com um homem o trabalho fora em vão. Ela cortara seu cabelo loiro até ficar bem curtinho e forçava uma voz grossa e grave, mas não havia como disfarçar. Por mais alta e forte que fosse, seus inocentes olhos castanhos e sua pálida e delicada pele a entregariam. Não poderiam saber que ela era uma mulher, ao menos não antes da luta.

Risonett Fullice apostara tudo nessa batalha que estava por vir, até mesmo sua própria vida. Lembrava-se do dia que pagou sua inscrição nesse torneio, estava radiante e feliz por finalmente se sentir pronta para isso, mas os outros que também estavam se inscrevendo não pareciam tão felizes assim. Risonett pôde perceber que alguns só estavam entrando na peleja por insistência e obrigação de seus pais, isso ficara notável em seus semblantes de tristeza e medo. Risonett entendia esse medo, era a sexta edição do torneio, e, mesmo assim, o guarda real de lady Valérie Valentine nunca fora derrotado. Uma vez, ele até matou dois dos desafiantes "por acidente". O homem era tão alto quanto Risonett e excessivamente forte, era ágil e veloz como um gato, e tão feroz quanto um leão. Mesmo assim Risonett Fullice não temia.

O vencedor poderia pedir qualquer coisa a lady Valérie, desde dinheiro, terras e títulos, a até mesmo a mão de seu filho, Nate Valentine de sete anos. Risonett só queria uma coisa, não estava a fim de moedas. Terras sua família também já possuía muitas, muito menos queria a mão do garoto, por mais que soubesse que ele era o verdadeiro lorde da Antiga Noruega, e que sua mãe só estava governando até ele ter idade. O que realmente Risonett queria era ser ungida cavaleira e fazer parte de sua guarda real.

As mulheres não podiam exercer funções importantes, muito menos serem cavaleiras; mas esta era a vocação de Risonett. A mulher não se achava bonita, e todos os homens também não; sempre caçoaram dela e diziam que nunca casariam com uma mulher tão alta. Risonett não se importava com isso, um casamento nunca fora de seu desejo. Desde criança, seu pai, que já fora da guarda real de Valérie, ensinara-a tudo sobre guerras e lutas. Risonett treinara espadas e até mesmo lutas corpo a corpo com ele, pois ensinara que ela tinha de se defender por si só, dizia que não iria ter o seu pai para sempre, e Risonett realmente não o teve. Quando morreu em batalha na rebelião de Inocêncio, deixara dois filhos, Risonett e seu irmão mais velho, Renée Fullice. Seu irmão herdou as terras da Suécia jurando vassalagem a Casa Valentine, e sua irmã nada ganhou. Sempre fora desprezada até mesmo por Renée, por ser feia e por nunca conseguir um casamento, era de família nobre e mesmo assim nunca houvera nenhum pretendente. Quando enfim aparecera um velho rico e rabugento de cinquenta anos, seu irmão quisera prometê-la como sua esposa, Risonett Fullice não aceitou, e as consequências foram graves. O velho era de família importante e achara uma ofensa a recusa, seu irmão a repreendeu e a xingou, expulsou-a da Suécia e absolveu qualquer título ou herança que Risonett teria depois de sua morte; antes ela era lady Risonett, agora, apenas Risonett. Ficara sem nada.