Iseu I

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A vida de um pobre camponês não era nada fácil. Desde criança Iseu via como seu tio Ilhyos tinha que dar duro para sustentar ele e o filho dele, Ian. Desde os nove anos Iseu e seu primo ajudavam tio Ilhyos nas tarefas rurais simples, mas agora que eram rapazes conseguiam trabalhar tão duro quanto ele.

Por mais que trabalhassem nunca conseguiam subir na vida, os impostos e corrupção da sociedade fazia com que fosse impossível um camponês ascender a um nobre. Quem nascesse pobre, morreria pobre, por mais que se esforçasse; quem nascesse nobre, morreria nobre, por mais que não fizesse nada; essa é a definição da sociedade estamental da época.

Tio Ilhyos e Iseu, assim como Ian; trabalhavam seis dias na semana, e descansavam no domingo. Trabalhavam desde o nascer do sol até o fim da tarde em Wine Island. O reino era muito conhecido por suas renomadas plantações de uva, que eram transformadas em vinho pelos viticultores; e era nessa zona rural que os rapazes trabalhavam.

Ninguém da família de Iseu tinha títulos, terras ou direitos. Tudo o que ganhavam pelo intenso trabalho na roça mal dava para mantê-los, havia dias em que passavam muita fome. O pouco dinheiro que restava após a compra de comida era cobrado dos impostos, da líder rural, do dono das terras em que Iseu morava, e da igreja; principalmente da igreja. Então se quisessem sobreviver tinham que dar duro todos os dias, ultrapassar seus limites, trabalhar e trabalhar.

Iseu não podia reclamar. Sua situação não era das melhores, mas tio Ilhyos sempre o ensinara que existiam pessoas que dariam tudo para estar no lugar dele. Não que seu tio precisasse dizer, Iseu já via a miséria com seus próprios olhos. Não podia ignorar vários moradores de rua, sem ao menos um lar, que ficavam mendigando a todos que passavam, e em troca só recebiam olhares de escárnio e pena. Raramente lhes davam alguma coisa, sem contar com os escravos dos quais tio Ilhyos contava histórias, dizia que em algum lugar ao sul, em uma tal de Coroa dos Escravos, existiam vários trabalhadores que eram maltratados, e que trabalhavam de graça nas piores condições possíveis. E por isso, sempre que acordava e antes de qualquer refeição, Iseu rezava agradecendo a Deus por ter o que comer, por ter uma casa, ainda que de barro e palha, e por ter tio Ilhyos e Ian para o fazerem companhia.

A mãe de Iseu morrera quando dera a luz a ele, e de seu pai nunca soube nada. Desde bebê, tio Ilhyos cuidara dele como um filho, sem nunca o amar menos que Ian que era filho de sangue dele. Ambos foram criados como irmãos, e sempre cuidaram um do outro; Ian sempre protegeu Iseu, visto que era dois anos mais velho; mas Iseu completara quinze anos a algum tempo, e não gostava de ser defendido o tempo todo. Apesar de não ser tão forte gostava de cuidar de seu próprio nariz.

Agora que deveria ser umas sete horas da noite, Iseu caçava na floresta sozinho. O dia de trabalho fora fatigante e muito cansativo, mas tinham pouca comida em casa, então Iseu sempre gostava de caçar depois do trabalho. Raramente conseguia alguma coisa, um veado, uns esquilos, ou alguns pássaros, mas o que ele mais gostava era do sorriso com o qual tio Ilhyos o presenteava quando trazia algum animal nos braços para que comessem. Isto Iseu nunca trocaria por nada.

Iseu caminhava depressa com seu arco em mãos e uma flecha armada, pronta para abater qualquer animal que encontrasse. Hoje seu melhor amigo, Jhonatan, o chamara para encontrá-lo às sete e meia da noite; ambos tinham esse costume. O lugar marcado era o mesmo de sempre, uma enorme cachoeira que se escondia entre as árvores dessa floresta. Aqui Iseu nunca seria incomodado, todo o mundo tinha medo de caçar nessa mata pelas antigas lendas de monstros que deveriam existir, mas como tio Ilhyos sempre dissera: "Iseu não é todo mundo", e fosse como fosse, Iseu não estava fazendo mal aos monstros para que lhe incomodassem, estava apenas caçando. Então ele caçava toda noite, e quatro vezes por semana encontrava-se com Jhonatan, com quem jogava conversa fora e falava mal da igreja, falavam da comida, do que conseguiram caçar hoje, e falavam de garotas. Iseu não gostava quando falavam de garotas.

A Santa Inquisição | As Crônicas de LÚCIFEROnde histórias criam vida. Descubra agora