Leonel II

11 1 0
                                    

Era aproximadamente meio-dia quando o navio ancorou na primeira ilha da Coroa dos Escravos.

Leonel e muitos outros escravos viram-se aliviados por finalmente pisar em terra firme, a navegação marítima que durara pouco mais de três dias os havia deixado fatigados. Não era de se esperar que os escravos navegassem de sorriso no rosto e aproveitassem a viagem, muitos não eram acostumados a navegar, e certamente Leonel era um deles. No primeiro dia vários homens e rapazes enjoaram durante quase todo o tempo, e de vez em quando precisavam vomitar no mar a pouca comida que tinham ingerido. No segundo dia vários guardas sentiram-se entediados, e procuraram diversão maltratando os escravos; faziam-nos brigar entre si e apostavam na vitória de qual preferissem, faziam-nos cantar e dançar para que os divertissem, e até fizeram dois escravos beijarem um ao outro e tocarem nos seus membros. No terceiro e pior dia de navegação gordo Barry fez um escravo de alvo; o colocou encostado à parede do navio e pôs uma maçã em sua cabeça, ficou atirando com uma besta na tentativa de acertá-la, mas acabou por errar e cravar a flecha no pescoço do jovem escravo, seus colegas gritaram e os guardas riram da péssima mira de Barry; no final jogaram o corpo ao mar para que servisse de comida aos tubarões.

Agora que todos seguiam em terra firme na Coroa dos Escravos rumo à sua capital, Leonel sentia-se mais esperançoso. Esperava de coração que o lorde dessa primeira ilha fosse no mínimo parecido com seu irmão mais velho, Rickard Adolf, pois ele não suportava mais ver gordo Barry, Carranca e os outros guardas agredindo e atormentando os outros escravos. Sempre que um deles apanhava, mesmo que Leonel não o conhecesse direito sentia uma dor aguda no peito. Poderia ser eu, ele pensava, Ou Pablo, ou até mesmo Pedro. O certo é que Leonel considerava cada escravo como da sua família, e era a única que tinha.

O rapaz achara que chegariam rapidamente a capital dessa primeira ilha, mas a caminhada estava demorando mais do que o normal. O solo que as centenas de escravos agora pisavam, e descalços, era quente e amarelo, o sol brilhava cruelmente acima deles os fazendo suar gradativamente; de vez em quando um escravo mais velho parava para descansar e os guardas chicoteavam-no para que continuasse. Alguns pediam água, mas tudo o que ouviam era que receberiam quando chegassem lá. Todos os escravos já estavam cansados enquanto caminhavam naquela ilha que mais parecia um deserto de tanta areia, enquanto os senhores iam guiando à frente em seus cavalos, e alguns iam atrás, chicoteando quem ousasse cair ou parar para descansar.

Pablo e Pedro caminhavam ao seu lado, e ambos já estavam tão suados quanto Leonel. O jovem ouviu um baixo ronco e ao olhar para Pedro, o irmão mais novo de Pablo, percebeu que o garoto tinha fome; olhou para Pablo que tinha os lábios secos de sede e viu pena nos olhos do amigo, Leonel se sentia de maneira parecida a dos dois. Caminhando em sua frente a passos cansados, havia vários outros escravos, todos vestidos de maneira parecida, nus da cintura para cima e suados e descalços, com a tatuagem do martelo marcado por ferro quente em suas costas.

Para passar o tempo, Leonel pensava no plano que o amigo contara para que escapassem, mas isso dependeria muito das circunstâncias. Contavam com a ajuda de mais dois escravos que caminhavam com outro grupo, meio longe deles. Pablo confiava muito nos garotos, e agora os cinco tinham conhecimento da fuga; os gêmeos eram indivíduos essenciais para que o plano desse certo e Leonel torcia para que desse. Na noite anterior, quando ainda estava no mar, Leonel havia olhado para cima e pedido a deus, que se existisse, fizesse o plano funcionar e que conseguissem sair dali sem que ninguém se ferisse. Como resposta só ouviu os arquejos de Pablo vomitando não muito longe de onde ele estava, o jovem tinha certeza que não poderia contar com deus para conseguir escapar.

Leonel já estava quase desistindo, a fome doía, mas a sede o estava deixando tonto, o calor do sol o desidratava a cada minuto, por um segundo Leonel cambaleou para trás, mas a mão forte de Pablo segurou suas costas e o apoiou para frente.

A Santa Inquisição | As Crônicas de LÚCIFEROnde histórias criam vida. Descubra agora