Leonel IV

3 1 0
                                    

Desde o dia em que escapou da escravidão, Leonel não ficara um momento sequer sem ingerir bebidas alcoólicas. Era tudo o que podia fazer para enganar a si mesmo e tentar preencher o vazio em seu peito.

O jovem achava que anos e mais anos iriam se passar, e, mesmo assim, ele nunca superaria os acontecimentos da semana passada. Pablo faz muita falta, e Pedrinho... O pequeno Pedrinho...

Naquele sábado continuava a beber. Estava sentado em uma cadeira de madeira, e a cerveja preta repousava na mesa. Evan, que agora já não era tão ruivo assim, o observava calado e com pesar, sentado em sua frente, do lado oposto. Alojaram-se na estalagem, a que antes não conseguiriam pagar. O preço agora tornara-se acessível, graças ao dinheiro que a moça de cabelos alaranjados dera, e Erick, o gêmeo sério, começara a trabalhar para a dona da hospedaria como contador; mesmo que analfabeto ele se mostrou excepcional em fazer contas. Dessa forma eles se mantiveram.

Tanto Evan, quanto Erick pareceram superar melhor a perca de Pedrinho, e o fato de terem deixado um companheiro para trás. Nem pareciam lembrar-se disso, ambos pintaram o cabelo de negro para não serem reconhecidos, e todos compraram novas vestes, para que o martelo tatuado em suas costas nunca fosse exposto. Não os culpo por superar tão rápido, não tinham tanta intimidade assim com eles.

Quando Leonel ergueu a mão para colocar mais cerveja em sua caneca, Evan o impediu e o repreendeu. – Basta, tá há uma semana bebendo direto, tem que parar cara! – pareceu preocupado.

– Pareço bêbado pra você? – Leonel repeliu a mão de Evan, e serviu-se novamente. – Eu que direi quando devo parar. – viu Evan o afrontar com aqueles olhos cor de mel, desapontado.

– Meu parceiro, você tem que seguir em frente... Deixar o passado no passado. – o rapaz tentou consolá-lo.

– QUEM VOCÊ PENSA QUE É? – disse Leonel mais alto do que deveria. – Deixar o passado...? Pedrinho nunca será passado! Muito menos Pablo... Ainda vou salvá-lo, juro por tudo em que acredito!

Evan suspirou profundamente, não queria discutir. Continuou a respeitar o sofrimento de Leonel em silêncio. Erick os observava do balcão, de um modo penoso. Eles não creem em mim, não acham que um dia salvarei Pablo. Amargurado, Leonel olhou para a porta de entrada da estalagem. Do lado de fora, a noite escura o encarava, e o vento frio sussurrava coisas que Leonel não entendia. Um bêbado qualquer resmungava qualquer merda em outra das mesas, estava sozinho. Cada qual com os seus problemas... A friagem entrou mais forte dessa vez, fazendo os desajeitados cabelos castanhos de Leonel balançarem e seus pelos arrepiarem-se. Vento idiota, nem mesmo ele me deixa em paz. Leonel pensou, e percebeu que estava discutindo com o próprio vento, talvez Evan estivesse certo, e ele já passara da conta de beber.

Com um leve rangido, a porta de entrada se abriu e um garoto sem camisa entrou sozinho na estalagem. Leonel o observou com interesse, o que um menino estaria fazendo naquele lugar àquelas horas? Geralmente nesse horário, em que estava próximo do amanhecer, ninguém ia lá, era só Leonel, os gêmeos e esse mesmo bêbado que resmungava. Léo não esperava um garotinho; muito menos sem camisa, do lado de fora, e naquele frio? Seria um mendigo? Talvez sim, um órfão qualquer.

O menininho era magro e fraco, tinha baixa estatura. Sua pele era muito branca, seus cabelos eram de um tom loiro para dourado. Seus olhinhos, profundamente azuis. E um pouco acima de sua boca, tinham pequenos pelos de um fino bigode amarelo que começava a nascer. Para surpresa de Leonel, o garoto olhou o interior da estalagem de um lado para o outro, com interesse. Quando seus olhos se encontraram com os de Léo, ele caminhou até a mesa e sorriu de um modo infantil.

– Será que tem algum problema se eu me juntar a vocês para beber? – perguntou esperançoso.

– Problema nenhum, menino. – Evan sorriu de volta. – Só não sei se você pode beber, quantos anos têm?

A Santa Inquisição | As Crônicas de LÚCIFEROnde histórias criam vida. Descubra agora