capítulo 3: fora da gaiola

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Esther

Eu estava organizando meu armário quando Micheline se aproximou.

Ela mascava um chiclete enquanto me encarava.

— Olá, Michi. Dormiu bem?

— Oh, claro. Dormi como um anjo. — disse e sorri.

— Que bom.

— Na verdade, tenho algo pra te dizer. — sussurrou e eu a encarei com curiosidade. — Mas não sei se você vai topar. Eu até poderia te informar através de uma mensagem, mas, como você não tem acesso à internet, fica complicado. E não vou arriscar te ligar quando estiver em casa, afinal seus pais podem ouvir.

— Do que se trata?

— Uma festa.

— Você vai? Espero que se divirta.

— Você não entendeu, né? — eu a encarei, surpresa. — Eu quero que você vá comigo.

— Eu? — ampliei meus olhos. — Como assim?

— Quero que vá comigo à festa. — repetiu. — Vamos, Esther. Você não estará fazendo nada ilícito. Além disso, precisa sair um pouco daquela gaiola que chama de lar. Por favor. Vai ser divertido.

— Michi, não sei se é uma boa ideia. — eu disse um pouco aflita. — Eu nunca fui a uma festa antes. — uma parte enorme de mim queria ir a tal festa, justamente considerando a curiosidade e a vontade de espairecer em um ambiente novo, mas... — Meus pais não vão permitir. — eu disse chateada.

— Eu sei que não vão.

— Então por que me chamou? Você sabe que eles não vão deixar, então nem adianta eu tentar ir.

— Já fugiu de casa alguma vez na vida, Esther? — disse e então minha ficha caiu.

Ela queria que eu...

Fosse escondida?

— Isso mesmo que está pensando. — disse diante do meu semblante pasmo. — Você terá que sair escondida.

— Como? A porta do meu quarto é mantida trancada e mamãe dorme com a chave.

— E a janela? Tem alguma no seu quarto?

— Sim. Há uma janela.

— Ótimo. Aí está a solução. Você sairá pela janela.

— Michi, tenho medo.

— Não tenha. É só ser discreta. Bem discreta. Vou assegurar que você volte para casa antes do amanhecer. Relaxa. — disse. — Sua mãe costuma levantar durante a madrugada pra te checar?

— Não. Ela dorme como uma pedra. Meu pai também.

— Que maravilha! — suspirou. — Isso vai facilitar nosso plano.

— E sobre a roupa? As minhas...

— Eu vou te emprestar, fica tranquila. — ampliei meus olhos e ela riu. — Ei, minhas roupas são decentes! Eu trouxe um vestido legal e pequenos saltos para o caso de você aceitar meu convite. Você só precisa colocar em sua mochila e não deixar sua mãe ver. Depois que se trocar, abra a janela discretamente e saia. Estarei te esperando lá fora.

Michi sabia onde eu morava. Ela conhecia os pontos de referência e já tinha passado com sua mãe pela minha rua. Não seria complicado achar o endereço.

— Ok. — eu disse com certa apreensão.

Eu estava ansiosa depois que Michi expôs aquela ideia, mas não arrependida por ter aceitado. Eu tinha ideia de que precisava desse pequeno momento de liberdade depois de anos de isolamento. Realmente precisava sair.

Certo medo povoava minha mente, mas eu prosseguiria. E torceria pra dar tudo certo.

— Não deixe seus pais perceberem. Aja com naturalidade, ok? — ela disse após expor o horário em que eu teria que pular a janela.

— Ok. Serei discreta. — assegurei e Michi sorriu.

— Isso aí, garota.






#*#






Na noite de sexta, eu estava completamente nervosa.

Minhas mãos tremiam e meus olhos encaravam a porta fechada do meu quarto.

Era por volta das 23h e meus pais já estavam dormindo.

Eu conseguia ouvir os roncos próximos.

Encarei a roupa sobre a cama com cuidado e apreensão.

Era um vestido escuro de alças, que parecia justo e era curto.

Céus! Eu nunca me imaginei em uma roupa daquelas e isso era inusitado para mim.

Segundo Micheline, era sua roupa mais discreta.

Segurei o vestido contra mim e aguardei alguns minutos antes de vesti-lo.

Caminhei até o espelho enorme ali perto e a imagem seguinte me surpreendeu.

Nossa!

Eu estava tão diferente.

O vestido acentuava curvas que eu nem sabia que tinha e mamãe me condenaria ao inferno se me flagrasse usando aquilo.

Calcei o par de saltos que Michi me emprestou e ainda agradecia por calçarmos o mesmo tamanho. Como não eram altos e nem desconfortáveis, eu consegui caminhar sem dificuldade.

Meus longos cabelos escuros estavam soltos e eram naturalmente ondulados. Eu gostava deles assim.

Com um suspiro, eu encarei as horas em meu celular.

O momento esperado finalmente chegou.

Caminhei lentamente até a janela, evitando fazer barulho.

Assim que liguei a lanterna, a brisa noturna me envolveu e soltei um suspiro ansioso enquanto olhava lá para fora.

— Ei, Esther. — alguém sussurrou, aproximando-se sorrateiramente.

Sorri.

Era Michi.

Ela estava usando um vestido azul bem mais curto que o meu e parecia bem animada.

— Tenta pular sem fazer barulho. — sussurrou do outro lado da janela.

E fiz exatamente isso.

Com cuidado, eu consegui sair daquele quarto. Em seguida, encostei a janela.

Michi segurou minha mão e me puxou em direção a um carro estacionado a alguns metros.

Havia um cara dentro e presumi que era seu namorado, porque a beijou no momento que ela sentou no banco da frente.

— Tudo bem aí, Esther? — Michi olhou para trás.

Sorri.

— Tudo ok.

Eu estava nervosa durante o caminho, mas me sentia estranhamente livre.

Longe daquela casa, sentia como se um peso tivesse sido retirado das minhas costas. Apreciei essa sensação.

No meio do caminho, o namorado de Michi, que descobri que se chamava Peter, deu carona para outro garoto. Ele se sentou ao meu lado e parecia animado para a festa.

Durante o percurso, os três mantiveram uma conversa no carro e Michi sempre dava um jeito de me fazer socializar com eles.

Era divertido agir como uma adolescente normal; sem restrições pela primeira vez na vida. Minha meta não era me drogar e nem tocar em algo alcoólico. Eu só iria conhecer um novo ambiente com minha única amiga. Na verdade, até se fôssemos para o cemitério, eu aceitaria. Sem ironia, afinal minha casa era um casulo muito sufocante e qualquer lugar pareceria divertido perto dela.



🔥👀

Tô sentindo que essa festa vai render🔥












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