Matheo não dormira bem aquela noite. Que coisinha chata, o incomodava, o fazia se revirar em seu colchão. Ele já sabia, era óbvio. Que tolo de pensar que algo poderia acontecer. Ela tem motivos pra querer voltar para casa e ele também, ah, que dor de cabeça, pensou.
Logo ele, que recebia cartinhas de todas as mais bonitas da escola, agora emburrado por uma garota mais ou menos que veio do futuro? Por mais que soasse incrível não era muita coisa. Mas ah, já passaram horas, e nada de Matheo dormir.
Deixa pra lá, adormeceu.
De manhã, ele encontrara Jane sentada no banco acolchoado na estante, vestindo sua camisola branca com um lacinho no peito, viajando em seus pensamentos enquanto seu olhar se perdia por entre as árvores e o ar misterioso e acolhedor daquele lugar.
- Bom dia... Janie?
- Hm, ah, oi! Bom dia. - Ela sorri, como qualquer outra vez. Isso o confunde um pouco, mas ah, se está tudo bem, que seja.
- Então - Ele prepara a chaleira - Dormiu bem?
- Uhum - Jane corre até ele, alegremente. - Sonhei contigo.
- Ah, é sério? Conta. - Ele acende uma chama num fogão a lenha.
- Bom, nele tu... Ei, como que tu sabe ascender fogo? - Jane se inclina na bancada, tentando ver melhor.
- Já te contei que fui escoteiro da primeira à quarta série? - Ele se vira, com seu clássico sorriso de lado, agarrando a oportunidade de se exibir.
- Ah, isso não me surpreende. Tu já fez de tudo??? - Jane cruza os braços.
- Heh, de tudo não... - Ele solta a chaleira no fogo, notando que Jane não descruzara os braços - Eh, só ganhei o broche de melhor da minha turma em '77. - Matheo finje jogar seus cabelos.
- Hmm, tu não pode ser tão anjinho assim, não TU!
- Ahh, já fiz minhas traquinagens.
- Ta vendo? Pft! - Jane ri.
- Ah, fala sério - Ele se senta ao lado de Jane - Você nunca fez nada de interessante, nenhuma pegadinha, nada, nada mesmo?
- Uh, já? - Debocha.
- Tipo oque?
Jane encara a chaleira por alguns segundos, sentindo o sorriso malicioso de Matheo queimar sua bochecha.
- Hmm quando meus pais se separaram, eu colocava cartinhas pela casa pra eles acharem que existiam duas de mim.
- Ah, é sério?
- Sim.
- ... Isso é a coisa mais sem graça que eu já ouvi.
- Ah? - Ela se vira rapidamente para ele, indignada.
- Haha, até meu irmão de 4 anos faz isso.
- Ah, escuta aqui seu me- AH!
Jane é interrompida pelo apito agudo da chaleira, que faz Matheo saltar do banco e correr até ela, já servindo seu chazinho.
- Lá vai o cão velho - Diz Jane - Com as orelhas tão fartas...
- Oque? - Matheo olha para ela, ainda sem descuidar das mãos, que serviam o chá.
- Heh, nada não... - Ela joga os braços, sorrindo.
- Hmm - Ele pega sua xícara e se senta ao lado de Jane - Sou velho então, tenho experiência. Você deve me ouvir.
- Ata, vai sonhando.
- Não senhor, mocinha.
- Mas-Ah! Já falei pra não me chamar disso! - Resmunga Jane, enquanto Matheo ri.
- Ta bom, ta bom, mas é verdade Janie. Você não sabe nem ascender uma fogueira, pescar, não sabe oque é estar em um relacionamento, nem montar uma barraca.
Jane abre a boca para responder, mas logo pausa, pensando.
- Espera, relacionamento? - Ela questiona.
- Uh... - Matheo toma um longo gole de seu chá.
- Matheo??? Tu ja namorou alguém??? - Jane esbanja um grande sorriso, boquiabierta, agarrando e torcendo o braço de Matheo.
- O-oque? Do que você está falando? Eu não falei nada disso... - Ele olha para o lado oposto de Jane e toma um - agora breve - gole.
- Matheo? - sem resposta.
- Matheo! - Jane leva as mãos à sua cintura, ainda sem resposta. Matheo apenas gira os olhos para longe, tomando mais de seu chá.
- Matheo Matthew Wilkinson Mathias!!! - Jane grita, o empurrando.
- COMO VOCÊ SABE MEU NOME COMPLETO!? - Matheo quase derruba sua xícara.
- Tu escreveu no teu livro.
- E você leu???
- A... Talvez. Só um pedaço. - Sorri.
Matheo a encara em choque, então solta um grunhido, descendo as mãos com a xícara até o colo.
- Ah, o nome dela era Carol, e ela era a pessoa mais insuportável do mundo... - Ele se vira para Jane - Que nem você.
- ... - Jane olha para ele em silêncio.
Matheo olha rapidamente para o lado, talvez quebrando o contato visual prolongado de Jane.
- Hmm, tá. Você é legal de ficar perto até. - Ele empurra o braço dela com o seu, voltando o olhar para a xícara e tomando o último gole. - Ahh...
- Heh, não consigo te imaginar com uma namorada. - Diz ela.
- Janie, você não tem ideia. Ela queria que eu ficasse com ela o tempo inteiro, SEMPRE! Tipo, eu tinha amigos pra conversar, jogos pra jogar, TV pra assistir, ela não saía de perto de mim, nunca.
Jane escuta tudo com atenção, rindo com a mão sobre a boca.
- Hehehe, quanto tempo durou? - Pergunta.
- Há, se deu 15 dias já foi muito. Caraca, que coisa.
Matheo percebe o sorriso estampado no rosto de Jane, e levemente contagiado, sorri também.
- Ai, não aguento mais falar disso, vem. - Ele se levanta.
- Vem aonde?
- Só vem, Janie.
Ela revira os olhos, sorrindo, seguindo Matheo até a beira do riacho.
- Vem - Matheo se senta na grama e bate no chão ao seu lado, e Jane faz o mesmo, ambos agora observando o riacho, o baixo barulho da água e o reflexo do sol que nela cintilava.
- E se...
- Hm? - Jane se vira para Matheo.
- E se a gente fizesse barquinhos de papel e colocasse na água?
- E gastar o meu papel? Não mesmo.
- Seu papel?
- Ah, eu sou a que mais usa.
- É só usar os livros que você já leu.
- Ah? mas eu posso pintar eles.
- Isso, que bonito, Janie.
- Oque? - Ela sobe a sobrancelha, enquanto Matheo ri.
- Destruindo os livros da casa, que a gente nem sabe de quem é.
- Ué??? Tu não ia estragar pra fazer barcos?
- Ah, não tira a graça.
- Pff - Ela sacode a cabeça. - Tu é mesmo um tiozão com essas piadas.
- Não foi uma piada.
- Ah, suas gracinhas.
- Mas você gostou, não?
Jane o responde com um olhar enojado.
- Hehe, gostou né? - Matheo sorri para Jane, que notara os brilhos da água refletindo em seus olhos azuis.
- Hm... É, tá.- Ela revira os olhos novamente - Sim. - Ela se apoia em seu ombro, e ambos continuam a observar enquanto um beija flor visita uma flor que crescera na beira.
-... Se eu tivesse 7 anos eu derrubaria ele com um estilingue.
- Tu fala demais, Matheo. - ambos riem.

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Nossa Vida
FantasyE se você acordasse completamente sozinho num lugar desconhecido?