A Nova Vida Deles

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Era um dia ensolarado de temperatura amena, o céu era azul claro com algumas nuvens grandes e arredondadas espalhadas. Águas cristalinas e frias corriam selvagens por pedras e plantas. A luz amarelada do sol invadia por entre as folhas verdes, amarelas e laranjas que farfalhavam no topo de árvores, iluminando o chão com pontos brilhantes como um globo de luz. Flores de diversos tipos já com as bordas de suas pétalas escurecidas e murchas, esperando o frio que em poucas semanas chegaria, mas continuavam erguidas, fortes e exaltando sua beleza. Em algumas, as pétalas delicadas serviam como abrigo para um pólen, tal que parecia ouro, tanto de cor quanto pela determinação que gerava em pequenas abelhas listradas, que viajavam de longe, longe, sabe-se lá de onde, apenas para conhecê-lo. Não longe dali, havia uma casinha de madeira lilás desbotada, as beiradas e molduras eram brancas, assim como um pequeno banco que havia do lado esquerdo à porta de entrada, porta essa que tinha 4 retângulos entalhados, como uma barra de chocolate. Eram brancos assim como o telhado, que havia remendos feitos com madeira marrom em algumas partes, feitos por um rapaz que, neste momento, se apoiava na bancada da cozinha daquela casa, assistindo apaixonado uma moça que lia um livro de poesias em voz alta. A luz que refletia casa adentro deixava o rosto da moça escurecido, mas nada escondia o brilho nos olhos que nela surgia quando lia. O rapaz notara isso muito bem, há muito tempo, e há muito tempo a assiste, sempre sorrindo e com as bochechas avermelhadas.
- "As vezes irei errar, não nego, sou só humano" - A moça lia - "Mas não posso evitar, a ti entrego, o quanto eu te amo".
Os olhos dela deslizam para fora do livro, divagando brevemente até se encontrarem com os do rapaz, que apoiava a cabeça nas mãos, sorrindo tão docemente.
- Você gosta mesmo de poesia, não é?
- Mas é claro! É uma maneira tão linda de explorar conceitos, contar histórias e expressar seus sentimentos... É como uma mistura de outras duas coisas que gosto, contos e música! Hehe! - Ela sorri abraçando o livro.
- Hmm... - Ele pensa por um instante, antes de abrir um de seus grandes sorrisos.
Ele se aproxima dela, levantando primeiro as pernas e deixando que os braços se arrastassem pela bancada.
- O senhor anda pensando bastante ultimamente, não é? - Ela ergue uma sobrancelha.
- Nah... enfim... uhm... - Ele fecha os olhos e joga a cabeça para trás, inspirando profundamente e respirando com um longo suspiro. - Okay, está um lindo dia, não acha?
- Hm, tá um dia bom, sim.
- Que tal darmos uma volta?
- Ai, não sei, é que...
- Oh, para com isso, amorzinho... - Ele envolve seus braços na cintura dela. - Vamos aproveitar antes que esfrie, esse restinho de tempo bom! Que tal? - Ele sorri.
- Aí, tá... Pff, Matheo, ainda não consigo com esses teus olhos quando tu me encara, hihi!
- Heh... - Ele olha rapidamente para o chão, pensando - Por que você não coloca aquele vestido roxo, lembra? Ele deixa a cor do seu cabelo tão linda... - Ele leva um cacho de Jane para trás de sua orelha, encaixando a mão em sua bochecha, a puxando para um rápido beijo.
- Hm... tá bom... - ela anda devagar até a escada, sem tirar os olhos dele - ainda quero saber do teu segredinho!
- Você prometeu esperar!
Jane ri, uma risada feminina, leve e doce vinda do topo das escadas.
- Tá bom!

...

- Que demora, hein? - Diz Matheo, escorado na parede, ao a ver descendo as escadas.
Jane usava uma camisa branca adornada com bordados, uma longa saia lilás que ela levantava em uma das mãos, deixando à mostra sua anágua branca com rendas. Perto da bainha da saia havia retalhos de renda, assim como no bolero lilás que ela usava em cima da camisa. Rendas cobriam quase toda a parte da frente dele, assim como as pontas das mangas, que caíam logo abaixo dos cotovelos, deixando-as levemente bufantes. Usava também sapatos escuros de salto baixo, com duas tiras abotoadas, uma acima do tornozelo e outra sobre o pé. Eram decorados com um pequeno laço preto na ponta. Jane não havia prendido as mechas laterais de seu cabelo atrás, como sempre fazia. Dessa vez ela havia feito uma trança frouxa e larga, que pulava em suas costas a cada degrau que ela descia.
- Gostou?
Matheo se desencosta da parede, sua expressão de queixo caído rapidamente se transformou num grande sorriso, enquanto se aproximava dela.
- Cada vez que eu te vejo você parece estar mais linda. - Ele a puxa e a beija na bochecha.
- Mhmhm, então, vamos? - Ela sorri.
- Deixa que eu te levo, senhorita. - Ele dobra o braço e o ergue para que ela o segure, coisa que ela faz.
Por volta de uma hora se passara, Jane e Matheo caminhavam lentamente na beira do riacho. Já tinham ido tão longe, perdidos em conversas e risos que já estavam prestes a chegar em uma lagoa, pouco depois do local aonde Jane havia se afogado.
- Aqui é tão bonito, não acha? - Jane presta atenção nos arredores pela primeira vez em bons minutos, suspirando levemente, surpreendida e animada pela bela vista, antes de se virar para Matheo.
- Sim, é sim... perfeito. - Ele sorri calmamente, mas em seu olhar havia um certo nervosismo.
Ele limpa sua garganta, colocando seu braço atrás de Jane que observava a floresta, a virando novamente para ele.
- Uhm... Eu... eu tinha planejado tudo direitinho o que eu ia dizer... - Ele vira os olhos para qualquer lado, conectando o olhar com o confuso de Jane a cada tantos segundos. - ... Okay, esquece isso. - Ele pensa por mais alguns segundos, finalmente encarando Jane nos olhos, suspirando. - Sempre que eu penso que sei de alguma coisa eu me pego te olhando. Assistindo cada e qualquer movimento que você faz. Seus cachos, seus movimentos, seus dentes da frente saltados como de um coelhinho...
- O QUÊ? Tu percebeu isso??? - Ela leva a mão até a boca, levemente envergonhada, o fazendo rir.
- Ai, Janie, eu notei isso desde o começo... É lindo, tudo em você é lindo. E eu amo cada partezinha de você... enfim, como eu dizia, heh, me perdi... - Eles riem baixinho e ele pega em suas mãos. - Ah... quando eu acho que me encontrei em algum lugar, alguma ideia, algum objetivo, eu só olho fundo nos seus olhos e... eu esqueço. Esqueço tudo que achei que sabia. Na minha mente só vem você, Jane, Jane, Jane...
- Chá... - Ela complementa.
Matheo não consegue conter um pequeno riso, refletindo no horizonte brevemente, voltando para Jane.
- O que eu quero dizer é que... É que eu te amo, muito, muito mesmo. E... - Ele leva a mão ao bolso, se abaixando no chão. - Eu queria perguntar, Jane De Lima Sánchez, minha Janie, quer se casar comigo? - Ele sorri, erguendo um pequeno anel de pedra mal lascada.
- ... O QUÊ? - Um silêncio toma conta do ar, sendo quebrado somente pelo barulho das águas e da constante respiração pesada de Jane - ... M-me casar contigo? Eu não posso me casar contigo, Matheo! Que ideia é essa?
Seu sorriso desmancha e seus olhos arregalam.
- ... Huh?... P-por que não? Por que não?
- Matheo! Eu só tenho 17 anos!
- E-e daí?
- Eu não tenho idade pra casar! - Ela gesticula, nervosa e atrapalhada.
- Quem disse?
- Uh, a lei???
- Que lei?
Matheo a pegara de surpresa com essa última pergunta, a deixando sem saber o que dizer.
- Janie, caso não tenha percebido ainda, aqui nesse mundo somos apenas nós! Não existe ninguém para dizer o que devemos ou não fazer! Só nós dois, meu amor, somos livres para fazermos o que quisermos!
Ela o encara fundo nos olhos. Seu coração batia tão rápido que ela tivera de levar a mão ao peito. Seus olhos tão grandes quase saltavam fora de seu rosto, com um brilho nunca visto antes.
- E-eu te pergunto novamente, Jane De L...
- Sim... sim eu aceito, sim, com certeza!
- Ah... Heh... - Ele sorri de volta, se levantando e colocando o anel em seu dedo. Isso levou alguns segundos, ambos tremiam tanto que foi um desafio.
- Como que tu soube fazer um anel que coubesse no meu dedo? Tu nunca mediu.
- Eu conheço muito bem essas mãos... Esses dedos pálidos, finos e compridos. - Ele beija a mão que segurava, e logo após, a beija nos lábios. Havia colocado mais força que planejara por conta da emoção, a empurrando levemente, a fazendo dar um passo para trás em apoio, também se segurando no pescoço de Matheo.
- Bom... aproveite seu único dia como noiva...
- Como assim?
- Nos casaremos amanhã.
- JÁ? Por que a pressa?
- É importante que seja amanhã, querida. - Ele abre um pequeno sorriso envergonhado.
- Por q... aaAAH!!! Nosso aniversario de namoro! Ain, Matheo, que lindo isso eu nãoaguenhmmm... - Os lábios de Jane começam a tremer e seus olhos se enchem de água.
- Ah, meu amor, vem cá - Ele a abraça carinhosamente.
- Eu te amo, Matheo.
- Eu também te amo, Janie... minha noiva, hihihi!
- Ei, e o teu anel?
- Ah, esse eu deixo pra amanhã.
- Então era esse o teu segredo, né? Ai que lindo! - Ela puxa a bochecha dele.
- Heh, não exatamente... - Ele desvia o olhar, levemente envergonhado.
- O que é então?
Ele abaixa sua mão.
- Amanhã você descobre... Ah! - Seu rosto se ilumina ao ver algo no chão atrás de Jane. - Aqui, pra você.
- Que linda, Matheo! - Ela pega uma flor que ele a entregara. - Tá, e como tu planejou a nossa despedida de solteiro? - Ela ri.
- An?
- É, parece que tu tinha tudo tão planejadinho, não me surpreenderia se tu tivesse pensado nisso também.
- Confesso que não, mas se você tiver ideias... Sou todo ouvidos, hehe.
- Nunca imaginei que casaria assim... tão... sozinha.
Jane olha em volta, para as árvores infinitas ao seu redor. Seu rosto relaxa em um semblante triste. Matheo, ao notar isso, beija sua mão novamente, a fazendo sorrir.
- Janie...
- Hm?
- Você quer passar o resto da tarde e a noite lendo livros à luz de vela? - Ele diz com um pequeno sorriso, envergonhado.
- Ah... a gente já não faz isso sempre? - eles riem. - Sim, claro! Vamos... e... Matheo...
Ele sobe as sobrancelhas.
- ... Pff tu tá tomateando! - Ela ri a ponto de se curvar.
- Nossa, você ainda fala isso? - Ele se morde, tentando não rir junto. Ele falha.
- Aaah... deixaaa... por favor! - Ela coloca os braços ao redor do pescoço dele, dando um pequeno beijo em seu queixo. - É fofo... hihi essas barbixinhas também. - Ela passa o dedo pelo seu rosto.
- Devemos ir, então, noiva? - Ele ergue seu braço como havia feito antes.
Jane ri. - Sim, noivo.
Eles voltaram todo o caminho até a casa abraçados. Pouco falaram, de vez em quando se olhavam e começavam a rir, se abraçando ainda mais.
Pouco depois do pôr do sol, ambos estavam sentados no tapete da sala, em seus trajes de dormir. Ao lado deles havia uma vela branca amarelada dentro de um pratinho prateado com uma alça. A dança da pequena chama fazia com que suas sombras chacoalhassem na parede. Haviam inventado uma brincadeira aonde um pegava um livro, abría em uma página aleatoria e lia um trecho, já o outro tinha que continuar a história.
- Tua vez, Matchovsky.
Ela pega um livro de cima de uma pilha que eles montaram, fecha os olhos e abre em uma página qualquer.
- Okay... - Ela limpa a garganta - "Florinda se levantou da mesa e foi de carreira até o quarto". O que é carreira? "A velha seguiu-a. A..." O que? "A rapariga fora vomitar ao bacio"?
- AN?
Ambos que encaravam o livro sobem seus olhos até se encontrarem, confusos e surpresos, começando a rir muito alto.
- Caramba!
- Como você quer que eu continue isso???
- Inventa! Tu fez eu continuar aquele do careca perdido!
- Ah, Janie, mas olha o que você leu! Ahh! - Ele cruza os braços, não contendo um sorriso.
- Vaiii, amor! Só mais esse!
- Uhm, tá! Deixa eu ver... uhh... "Perdão!" Ela disse, uh... "Bebi muita coca"... Fim.
Jane fica em silêncio por um instante, antes de começar a rir, o contagiando com a risada. Matheo estica os braços e faz um gesto com as mãos, a chamando para perto. Ela se inclina e ele a abraça.
- Ai... ainda não consigo acreditar nisso...
- Uhum...
- Eu NUNCA imaginei que seria assim. Ai! Que frio na barriga, né? Hmm... - Ela suspira, seu rosto animado subitamente ficara triste. Ela se escora no peito de Matheo. - Eu queria que minha família pudesse comparecer.
- Entendo... acho que minha mãe ia gostar de você.
- Hm?
- Sim. Ela te ensinaria as receitas dela e te levaria às compras... - Ele sorri, imaginando. - Mas talvez não desse muito certo já que você não usaria as roupas de 1984... - Eles riem. - Ou... de 1988... - Ele suspira, sua coluna se curvando um pouco.
Jane apenas o observa.
- Como que é o mundo em 1988, Janie? O que você sabe desse ano?
- Ah... não sei nada, eu acho. '88... - Ela leva a mão até o queixo, pensando. - Hmm, não sei, mas acho que não mudou muita coisa. Já um tempo depois sim, na década seguinte as coisas ficaram mais simples e escuras.
- Uhm... okay... Acho que meus pais iriam se acostumar com a ideia de você ser do futuro heh... talvez levasse um tempo. Ah! Espero que você não deveria ficar surpresa se ele te puxasse para dançar.
- Dançar, é? - Ela ri, ainda escorada nele.
- É, ele tem o jeito dele.
- Hm, acho que tu iria se dar bem com meu pai. Ele ia brigar contigo um pouquinho, talvez, mas tu é um cara bom, ele ia gostar de ti.
- Seu pai é bravo?
- De jeito nenhum. Na verdade não sei nem como ele conseguiu conquistar minha mãe, ela era meio punk na época de escola e ele era aqueles... - ela boceja - aqueles nerdzinho...
- Sério? Hah... - Ele pausa por um momento, notando que Jane fechara os olhos.
Ele a cutuca - Quer ir dormir?
- Não, não quero te soltar.
- É melhor estar descansada, não acha?
- Ai, é, lembrei disso.
Matheo sorri docemente, se levantando, apanhando a vela e esticando sua mão para Jane, a levando até seus quartos.
- Tá, assim, amanhã quando você acordar você faz o que você quiser, okay? Mas não desce até eu chamar, pode ser? Faz o que quiser, se arruma, sei lá só... só não desce, okay? E não espia pela janela!
- Tá, tá, e Matheo, tu também! Não pode espiar antes de eu descer!
- Sim, sim, eu sei.
Eles se encaram no corredor, não conseguindo conter seus sorrisos.
- Ai, da uma sensação estranha. Parece que... ai sei lá. Todo esse... essa... essa coisa, esse evento todo só por 1 dia assim, parece que algo vai mudar... Isso me preocupa, não sei dizer o porquê.
- Ei, calma, vai ficar tudo bem. Lembra, a gente só vai estar fazendo o que a gente gosta, ficar junto. Só que talvez de um jeito mais bonito, hehe...
- É... eu acho que sim...
Alguns segundos quietos passam.
- Então... Boa noite, Matheo.
- Boa noite, Janie. - Ele a beija rapidamente e se afasta, sem ela soltar da mão dele.
- ... Promete que não vai mudar nada?
- Prometo.
- Matheo... tu não tá com medo disso não?
Ele se aproxima dela novamente.
- Hm... tá, sim, eu tô um pouco. Não sei se vou conseguir manter uma esposa. Não sei o que fazer nem como, o que é que... o que é que um marido faz?
Um olhar de graça e pena aparece no rosto de Jane, que ainda segura sua mão.
- Acho que a gente descobre junto, hihi... Mas também, manter como? Temos tudo o que precisamos pra sobreviver, não é?
- Ah, sim, esqueci desse detalhe. Acho que tá bem, então.
- Tá...
- ... Pode soltar minha mão?
- Não quero te deixar ir.
- Janie, só mais essa noite, ai depois prometo nunca mais te soltar. - Ele sorri para ela, que sorri de volta, entrando em seu quarto.
...
Na manhã seguinte Jane acordara, a luz que entrava pela janela a fez cobrir o rosto com uma almofada. Por um instante esquecera-se do compromisso naquele dia, mas logo o lembrete a atingiu como um raio, a fazendo pular cama afora. Além dos pés da cama, do outro lado do quarto havia uma cômoda marrom aonde Jane guardava suas roupas. Repousava sobre a cômoda uma pequena bacia de metal cheia de água, que Jane usaria para lavar o rosto e as mãos. Ao lado da cômoda, na diagonal à parede havia um grande espelho oval com uma moldura preta com entalhes. Enquanto Jane mexia e bagunçava seus cabelos em frente ao espelho, podia-se ouvir passos apressados e pequenas batidas vindas do andar de baixo. Com certeza Matheo já havia despertado há boas horas. Lá estava ele, mais corria que andava para lá e para cá. Ia e vinha da sala da lareira, do armário escondido atrás do papel de parede, saía da casa, esquecia-se de algo, dava meia volta e corria casa adentro novamente. Que frustração. Será que Jane já havia acordado? Será que o barulho iria a acordar? Ele não queria a incomodar, mas mal podia aguentar até que ela aparecesse. Que ideia essa ele fora ter, não?
Mais algumas horas se passariam. Matheo estava tão cansado da correria toda porém não podia-se dizer, estava tomado pela ansiedade e adrenalina. Ele havia montado em frente à casa um... uma... bom, não era possível distinguir exatamente o que era, mas havia dois galhos cravados no chão, um de cada lado, cobertos de flores brancas, assim como o chão ao redor. Uma pequena trilha de pedras corria dos degraus da casa até aonde ele estava, com os dedos entrelaçados e trêmulos, que de vez em quando subiam para ajustar sua gravata borboleta.
- O-okay, Janie! Pode vir!
Jane lentamente abre a porta e sai da casa, Matheo de longe ouvira o barulho dos leves passos dados em saltos pretos. O vislumbre de uma menina que um dia ele conhecera no meio da floresta, agora já tão moça, fez seu rosto se iluminar. A cada passo que Jane dava seu coração batia mais rápido. Ela vestia um vestido branco não muito rodado, com rendas que cobriam a frente e a saia, assim como as mangas que caíam na altura dos cotovelos. Seus cabelos pretos estavam presos atrás, ela nem saberia explicar como fizera, de longe pareciam estar cortados na altura do pescoço. Havia também um laço vermelho enorme amarrado ao redor de sua cintura, caindo pela lateral da saia até a bainha.
- 'Parece um presente' - Ele pensara.
Jane dá mais alguns passos até ele.
- A-ah! Perai! - Ele estica as mãos, a fazendo parar.
Matheo corre até uma árvore, se agachando e apanhando algumas flores as entregando para Jane.
- Agora sim... ou quase! - Ele pega uma delas e põe atrás da orelha de Jane, o que a faz sorrir.
Matheo corre até aonde estava antes, com Jane voltando a andar até ele, meio desengonçada.
Ele a segura pelas mãos, Jane só ria.
- É... você está muito bonita.
- Hih... obrigada...
- O que você fez no cabelo?
- Não sei... hih...
- Do que você está rindo?
-Não sei... - Matheo começa a rir junto, aumentando seu nível de tomateação.
- Foi mal, ah, eu não sei o que eu to fazendo. - Ela limpa uma lágrima.
- Nem eu!
- Ah não! Não vou me casar com esse cara. - Ela cruza os braços.
- ... O quê? - Os olhos de Matheo se arregalam, ele sentiu como se seu coração havia despencado.
Jane, com um movimento rápido e brusco, leva a mão até a cabeça de Matheo, aonde ele usava um penteado dividido no meio e lambido para os lados, enfiando os dedos através do cabelo e o bagunçando, jogando para os lados e para trás, o deixando mais ou menos como o de sempre.
- Agora sim, o Matheo que eu conheço.
- O quê? Ah, Janie! Eu tentei parecer arrumado pra você...
- Eu percebi, achei lindo da sua parte, mas prefiro esse Matheo bagunçadinho - Ela o beija na bochecha, o fazendo sorrir. - Então... o que acontece agora? - Ela sorri, envergonhada.
- Eu... Ah, droga! Eu tinha pensado em tudo o que eu ia dizer. - Matheo leva a mão à testa enquanto Jane sorri.
- Ah, não precisa de um discurso, eu acho. Tu já me falou tanta coisa bonita ontem, deve ter esgotado, haha!
Ele estala a língua - Eu queria que esse dia fosse algo que nós lembrassemos pra sempre...
- Vai ser... gostei da decoração... É bem... - Ela olha em volta - Hm... minimalista. O que são aquelas pedrinhas?
- Nossos convidados.
- Que? Pedras? - Eles riem.
- Sim, elas eram nossos jurados, lembra? Quando você me fez usar um vestido... e ainda me deu um nome idiota...
- MATILDA METIDA!!! - O rosto de Jane se ilumina com um grande sorriso.
- An! Você ainda lembra...
- Me surpreende TU lembrar das pedrinhas! Que fofo... te amo.
- Heh... então... Janie... - Ela pega suas mãos, olhando em seus olhos que, por mais que agora menos ansiosos, ainda têm um brilho inocente de uma jovem moça. - Ah... Aah! É isso! Você não percebe? Por mais que eu tente pensar no que dizer, sempre que eu olho nos seus olhos... tão... tão... e-eu me perco! Eu esqueço de tudo! Não sei que magia é essa que você usa, Janie, mas funciona muito bem. Eu olho pra você e me perco, sou agarrado e imerso nisso... Quem diria que a luz mais brilhante estaria no escuro dos seus olhos, meu amor.
- Aww, tu andou prestando atenção nos meus livros de poesia?
- Heh, talvez um pouco...
- Isso é tão... tão lindo, Matheo... - Sua voz falha, enquanto lágrimas se formam em seus olhos.
- Ah, não, Janie, não faz olhinhos de cachorrinho senão eu também vou chorar.
- Que culpa eu tenho se são mais altos do que largos? - Ela limpa uma lágrima.
Rapidamente o choramingo virou risada, e novamente estavam de mãos dadas e sorrindo.
- E-enfim.... Agora vai!!! JANIE. - Ele inspira profundamente e solta - Eu... eu só te digo que eu te amo. Não estou sabendo verbalizar meus sentimentos, então espero que você me aceite hoje, para que eu possa demonstrar meu amor por você. Não aqui e agora com palavras, mas com ações, cada dia, pelo resto de nossas vidas.
Cada palavra que ele dizia aumentava mais o sorriso no rosto de Jane.
- O que me diz?
- Tu sabe que sim. Sim!!! Mas isso se... - Ela olha para baixo por alguns segundos, e após para as nuvens, para a casa e por fim, Matheo. - Pra ser sincera eu nunca imaginei que algum dia estaria aqui. Isso é bem óbvio, né? Mas não me refiro só a estar numa dimensão paralela onde tudo é árvores. Me refiro a... estar com alguém... TER um alguém assim como tu, aqui assim, comigo. É que tipo assim, pensa comigo, tu é todo espontâneo, energético, as vezes meio abusado, tenho que admitir. Bem ao contrário de mim... Aí quando tudo aconteceu e a gente se encontrou... Eu nem sei mais o que eu to te falando, sério. Não faz sentido pra mim como viemos parar aqui. Uma vez tu me disse que talvez viemos para cá porque somos almas gêmeas destinadas a se encontrar... Talvez seja verdade. Não tô dizendo que não gosto de estar aqui! Muito pelo contrário, eu tô muito feliz de estar aqui contigo... Aí, eu não sei o que dizer. Tu não me deu tempo suficiente pra planejar! - Ela o belisca.
- Ah! Foi mal, não prestei atenção em muito do que você disse...
- Que? Como assim?
- Eu ouvi! Calma! É que você começou a enrolar e eu comecei a olhar pra você e me perdi...
- Pff, que bom que tu não ouviu, só falei besteira...
- Não acho.
- ... Uhm... Então... Tu aceita?
- Sim, várias vezes! E você?
- Sim!!!
- E-então... somos casados agora? E o mais importante, já posso te beijar?
- Espera, o teu anel!
- Ah, é. - Ele tira o anel do bolso de trás.
- Deixa que eu coloco. - Jane pega a mão de Matheo, deslizando lentamente o anel de pedra em seu dedo. - Acho que agora pode!
- Vem aqui então! - Ele a puxa pela cintura e a beija firmemente, a inclinando para trás.
- Uau... - Ela abre os olhos e o vê sorrindo.
- Casados?
- Casados!
Eles riem ansiosamente. Matheo corre e a puxa pela mão, a levantando e rodopiando.
- Ah! Pra quem eu jogo o buquê? - Jane pergunta, levemente ofegante, enquanto tira um fio de cabelo da boca.
- Uh, sei lá, joga pra cima?
Ela joga o "buquê" - algumas flores apenas - para cima e ambos o apanham quando cai.
- Hum... acho que nós vamos casar de novo. - Matheo sorri.
- Só se for contigo. - Ela o beija rapidamente.
- Heh... AH! - Seu sorriso desnorteado vira uma expressão de espanto.
- O que foi?
- O-o seu presente! Isso! - Matheo gesticula exageradamente.
- Tu tem presente? Ah, para! Assim eu fico com vergonha, não tenho nenhum presente pra ti!
- Ah, tem sim. - Ele sorri.
- Como assim?
- Depois você descobre. - Ele pisca um olho para ela.
- Não entendi. - Ela franze a testa, Matheo gesticula com o dedo para que faça silêncio.
- Fica ai!
- Okay...? - Ela sobe e desce as sobrancelhas, deixando isso de lado.
Por volta de 1 minuto depois, Matheo coloca a cabeça para fora da porta da casa.
- Feche os olhos, Janie!
- Uh, tá bom! - Jane fecha os olhos. Podia ouvir os passos de Matheo se aproximando. - Matheo, se isso for um sapo de novo eu juro que eu vou embora daqui!
- Calma, Janenenzinha. Pode abrir.
Ela abre os olhos e o vê se apoiando e um joelho só, segurando um...
- ...UM VIOLÃO?
- Heh, surpresa!
- O-o que? Meu Deus, Matheo! - Ela sorri - Da onde isso?
- Achei aí em casa, quis esperar o momento certo pra te contar... olha só onde viemos parar, hehe!
- Eu... eu nem sei o que-
- Shush, ei, só... aproveita. - Ele olha para o violão em seu colo e posiciona a mão esquerda. - Okay, vamos ver se eu me lembro... era uhm... Dó alguma coisa... aí Si... tá!
Jane o assiste atentamente, um sorriso quente e apaixonado estampado em seu rosto. Repousava as mãos sobre o peito. Matheo limpa a garganta e começa.
- "I see the crystal raindrops fall and the beauty of it all, that's when the sun comes shining through... To make up rainbows in my mind when I think of you sometimes and I wanna spend some time with you..."
Matheo tocara um acorde errado, fazendo Jane cobrir um riso com a mão.
- " Just the two of us... " - Ele continua por bons minutos, sem tirar os olhos dela. Uma leve brisa do frio que se aproximava levara alguns fios de cabelo de Jane que soltaram do penteado ao seu rosto, mas nem notara. Seu foco estava todo em Matheo e em tudo o que ele dizia.
- Eu não sei toda a música... se importar de eu parar aqui?
- Ah! Não, não mesmo!
Ele deixa o violão encostado numa árvore e pega Jane pelas mãos.
- Isso foi tão lindo, Matheo... - Ela franze as sobrancelhas, em seus olhos cintilavam pequenas lágrimas.
- Você conhece essa música?
- Já vi num vídeo do Instagram... - Ela limpa a lágrima com o dedo.
- Uhm... bom, seria mais fácil se desse pra ouvir a música ao mesmo tempo, heh. - Ele posiciona dua mão na cintura de Jane e levando a dela até seu ombro, segurando a outra.
- Ah...
- Só segue... começa um pra cada lado.... assim, viu?
- Uhum... - Jane olha para seus pés e então para ele - Assim, né? - Ela abre um grande sorriso infantil.
- Isso... Agora quando chegar no refrão é dois, just the two... assim! - Eles riem. - Dois giros pra você, ai repete... just the... agora dois pra mim. Repete de novo... um giro pra você e um pra mim!
- Aah, eu vou tontear!
Eles continuaram dançando e girando - ao som do canto de Matheo e os risos de Jane - até ela pisar no pé dele, que se desequilibrara. Jane rapidamente o envolve com seus braços, caindo por cima dele.
- Ai, foi por pouco! - Ela se senta.
- Pouco o que? Nós caímos. - Ele passa a mão na nuca.
- Por pouco eu não te segurei.
Matheo estala a língua com seu sorriso de lado, puxando Jane para o chão ao seu lado.
- Se eu não tivesse esses palitos de braços eu tinha te segurado. - Ela os estica para o céu azul.
- Não são tão finos.
Ela vira a cabeça para ele. - Então tu tá se chamando de gordo?
- Ah, deixa pra lá... - Ele solta um longo suspiro, Jane recuperava seu fôlego. - Sabe o que aquela nuvem parece?
- Hmm... um retrovisor!
- É... Eu ia dizer que parece uma nuvem, mas okay, eu acho, hah!
- Ai, Matheo. Mas sério agora, e aquela lá, parece o que? Não, não aquela dividida, a de cima, a desmanchada na bunda.
- Que? Uh... Uma piranha? O pac-man!
- Não! Quer dizer, é, também. É um balão surpresa estourado e aquilo na frente são as coisinhas.
- Ah... as vezes me questiono do porquê eu gosto de você, Janie.
- E é, é?
- Mas aí eu lembro. Enfim, esquece que eu disse isso. Era pra ser uma piada mas não saiu como eu esperava, heh... não me morde, Jane.
- Hm... Ai, caramba! Matheo, olha pra cá, rapidinho. - Ela se senta novamente.
- O que é?
- Nossa! - Ela se joga para trás, em gargalhada.
- O que foi agora, Janie? - Ele se senta também.
- Não, não, eu sempre soube que tu me lembrava alguém! Não é possível que eu não tenha percebido! Todos esses anos... - Ela leva a mão a barriga, ainda rindo.
- Janie!
- Cara, tu é igual aquele carinha lá do filme aquele, do filho do pateta. Ai, qual era o nome dele? Era um esquisito lá. Minha nossa, igual!
- Não sei se conheço.
- É, não deve ser da tua época. Mas era bem velho, era o meu filme favorito quando eu era criança. Ai, caramba!
- Espera, o pateta teve filho?
- Sim, por isso o nome do meu gato é Max.
- Ah... o nome do seu gato não era Austin?
- Não, Matheo, esse aí é o cara dos Backyardigans. Tu não presta atenção no que eu falo?
- Mas que sei eu. - Ele se deita novamente, cobrindo os olhos com o antebraço. - Aiai...
- AHHH!!!
- O que foi agora?
- Matheo! Matheuouooo! - Ela o sacode pelo braço, apontando para a casa.
- Fale, mulher, fale!
- Tu olha essa tua boca, hein... enfim, ALI! naquele canto! Vamos fazer um jardim! Podemos fazer um jardim? Eu quero fazer um jardim.
- Já tem flores ali.
- Mas não o suficiente. Podemos fazer uma horta! Isso! - Ela se levanta, andando e apontando. - Ali pode ser alguma coisa, e ali pode ser outra. Vamos! Vai ser divertido, por favor! - Ela junta as mãos, se ajoelhando ao seu lado.
- Uhm, tá... podemos...?
- Aí vou fazer um bolo pra ti. Bolo pra nós. Sopa pa nois. Sopa pa nois, ah lelek.
- Que?
- Nada não, deixa... - Ela deita novamente.
- Como vai fazer bolo sem leite? Sem ovo? Sem fermento? Sem açúcar? Sem nada?
- Ai, então eu posso fazer... hmm... suco. Suco de maracujá.
- Você viu pé de maracujá? Até agora eu só vi de maçã, laranja e... uh, o que era...
- Não, não vi. Eu ia falar maçã mas lembrei de um negócio.
- Eu ia perguntar o que é mas você tá rindo embaixo dessa mão na boca que eu sei. - Ele empurra sua mão, se aproximando de seu rosto e a beijando.
Alguns segundos depois, ele se afasta, explorando cada canto de seu rosto com o olhar.
- Eu só quero te beijar pra sempre, Janie.
- Bah... então beija. - Ela sorri logo antes dele a beijar. - Pera, aqui?
- Não precisa... pode ser... aqui... e aqui - Ele a beija no pescoço.
- Não, Matheo! - Ela ri - Aqui no chão?
- E por que não?
- Só se tu ne alcançar! - Ela se levanta.
Ele ri e corre atrás - O monstro do beijo vai te pegar! - Os dois riam e corriam pelo gramado, suas meias imundas de terra. Jane subira os degraus da varanda e encarava Matheo através da cerca. Se ela se inclinava para a direita ele imitava, se para a esquerda, também. Não tinha como sair dali.
Com um pulo, ele a puxa pela cintura e a beija, ali mesmo, por cima da cerca. Durante o beijo ele escalara a cerca, quase caindo na varanda.
- Por que tu fez isso? Era só ter dado a volta, literalmente do nosso lado. - Ela sorri.
- Não quero te soltar. - Ele a beija novamente.
- Matheo...
- Hmm?
- Tu não pensa se... em onde nós estaríamos se não tivéssemos ficado aqui? Tipo, que vida teríamos levado...
- Ah, Janie... - Ele leva a mão até o rosto dela, o levantando levemente. - De todas as vidas que eu poderia ter vivido, eu escolho essa. E você, Janie, eu escolho você. Essa promessa eu te faço hoje e pra sempre irei cumpri-la, pois você, Jane, é o amor da minha vida.
- Ahh... tu leu meu livro de poesia? - Ela diz num tom gentil, sorrindo.
- Na verdade eu fiz essa, heh.
Jane solta um rápido suspiro, seu olhar ficara mais suave. Com um doce sorriso, enfia o rosto em seu peito, abraçando com força ele, que a abraça de volta.
Horas se passam a noite surgira. Passaram o dia inteiro juntos, rindo e brincando. Jane havia feito um colar de flores para Matheo, que o colocara comi uma coroa em Jane.
Ela assiste enquanto ele se levanta, esticando sua mão para ela. Seu rosto mudara de repente, seu sorriso continuara, mas seu olhar escurecera. Isso prende a atenção de Jane que, sem perceber, Já estava sendo puxada casa adentro. Um passo, depois outro, depois outro... Sua coroa de flores cai no chão aos pés da escada que subiam. Matheo fecha a porta do quarto atrás dele, levando Jane até os pés da cama, onde lentamente retira o laço vermelho de sua cintura. Eles cruzam olhares, mas sem trocar palavra alguma. Ela segue com os olhos enquanto ele solta seu laço no chão, se aproximando bruscamente. Ela podia sentir sua respiração quente em seu pescoço enquanto ele lentamente desabotova seu vestido. Ele termina e o solta, caindo no chão. Ele começa a desabotoar a capa do espartilho, Jane levanta as mãos para o ajudar mas ele as a baixa, a impedindo e continuando. Ela levanta os olhos, ele ainda sorria. Ele desabotoa o último botão e solta a capa no chão, assim como a anágua. Um segundo de silêncio passa antes dele a puxar para bem próximo, sussurrando em seu ouvido.
- Podemos? - Ele a segura, sua respiração causando leves arrepios.
- ...Uhuh...
Ele a beija no pescoço, descendo as mãos para o nó do espartilho. Puxara, puxara...
- Deixa que eu tiro - Ela sorri, afrouxando atrás e desencaixando os ganchos da frente, tirando o espartilho por cima.
Ele a beija novamente, a levantando e lentamente a largando na cama. Ele rapidamente desabotoa sua camisa enquanto ela soltava as fitinhas segurando suas meias. Por fim ele sobe na cama e, com um rápido gesto receoso, remove a camisola de Jane. Desliza um rápido olhar sob ela, antes de a beijar novamente, entrelaçando seus dedos com os dela.

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