Meses se passaram, não havia mudado muita coisa. Jane estava sentada ao lado da janela e havia um livro em suas mãos, pelo qual seus olhos deslizavam atentamente. Matheo a viu ao descer as escadas, havia claramente uma empolgação em seu rosto.
- Jaaanieee! - Ele se aproxima dela, saltitando.
- Hm - Ela não tirara a atenção de seu livro, até Matheo o abaixar com a mão. - O que tu tá fazendo?
- Faça as malas, vamos viajar.
- O que? Como assim?
- Modo de dizer, eu sei que não temos malas. Enfim, vamos viajar.
- Pra onde? - Ela solta o livro ao seu lado e se levanta.
- Janie, estamos aqui já faz dois anos! E se a saída daqui estiver tão perto e não sabemos?
- Ah... Mas, como assim viajar?
- É, saímos daqui, e vamos até aonde o vento nos levar!
- Por quanto tempo??? - O tom de voz de Jane sobe junto com um sorriso nervoso, enquanto Matheo a puxa pelas mãos.
- Sei lá, o quanto quisermos. Pra sempre?
- PRA SEMPRE!? - Jane se solta dele.
- O que tem? Já vamos ficar pra sempre nessa casa mesmo.
- Mas... É que... Tipo... Ah, Matheo! Não podemos arriscar perdermos a casa!
- Ah, ah, só uma viagem! Pense nisso como férias! Vá, pegue seus vestidos ou algo assim e vamos. - Ele a empurra até a frente da escada.
- Não, Matheo! Calma! - Ela se vira para ele.
- Janie... - Ele faz uma carinha triste.
- Matheo! Eu entendo que tu quer explorar mais por aí, mas e se a gente se perder? Quer voltar a morar
no mato?
- Mas não mudaria muita coisa, não é? Vamos, o que temos a perder? - Ele desliza suas mãos pelos braços dela.
- TÁ BRINCANDO? - Ela suspira, contando nos dedos. - Um teto, meus livros...
- 'Outra coisa também' - Ele pensa enquanto Jane fala, lembrando-se do que havia achado na parede da sala.
- A tua chaleira, nossas camas... - Seus olhos passeavam pela casa até travar no armário. - E aquele armário aonde nossas roupas magicamente aparecem.
- Mágica? É sério que você disse isso? - Ele ergue uma sobrancelha.
- Bom, deve haver uma explicação lógica...
- E se furassemos o fundo dele e ter um portal de volta pra casa atrás? - Os olhos de Matheo se iluminam.
- Não! Vá que ele pare de funcionar, é melhor nem mexer nele... Enfim, não vou abrir mão de tudo isso.
- Tá, eu entendi. Não vamos pra sempre, Janie. Só vamos passear um pouco. Vamos em linha reta, assim é fácil de voltar. Pode ser?
- Uhm... hmm ai, tá. Mas só em linha reta.
- Okay. - Um sorriso se abre no rosto de Matheo contagiando Jane também, mesmo que com um pequeno receio.
- É melhor se seguirmos o sol. - Ela diz.
- Como preferir... imagina só se nós encontramos o dono daquele sapatinho?
- Sapatinho? Ah, sim! Aquele que achamos nos arbustos. Ainda digo que tinha alguém ali. Ouvi um barulho muito alto.
- Eu sei, estava do seu lado. Quer levar o sapato?
- Nam, deixa ali. Algum dia, quem sabe, ele volta pro pé do dono....
- Ainnn Matheooo - Jane se inclina para trás enquanto ele a puxa pelas mãos pela floresta.
- O que? - Ele já estava ficando sem paciência, dias haviam se passado.
- Podemos parar? Por favor? Só uma pausa.
- Janie, já paramos 6 vezes.
- Então vamos uma sétima vez, 7 é um número da sorte.
- E você quer o que, Janie? Ficar aqui 7 anos?
- Não, eu só não quero andar maaais. De quem foi a ideias de vim no sol?
- SUA! - Ele leva a mão à testa.
- Ah, é... Eu, tu sabe que eu passo mal no sol. Por favor Matchuzinho...
- Tá bom, tá bom.
Jane quase imediatamente se atira no chão, ofegante.
- Já melhorou?
- Podemos voltar pra casa? - Pergunta Jane.
- É exatamente o que estamos fazendo.
- Não, tipo, pra nossa casa daqui. Por favor? Tu não sabe nem se pra onde a gente ta indo! E andar nesses saltinhos cansa. E é só o que eu tenho! Na verdade eu também tenho uma botinha, tu já viu? Ah, ela também é de saltinho, não muda nada.
- JANE! - Ele se vira bruscamente. - Nós não vamos voltar para lá mais! Você não percebe? Aquilo é uma ilusão querendo nos prender aqui, caramba!!!
- O que??? Tu me trouxe pro meio desse matagal pra sempre?
- Por que você não entende? Jane, eu não aguento mais aquele lugar! Todo dia eu acordo e é só árvore e árvore e árvore e não tem bosta nenhuma aqui! Não me importo se vamos nos perder da casa ou não, eu não vou ficar o resto da minha vida mofando nessa floresta maldita.
- Mas Matheo! Tu não sabe nem se existe saída! E muito menos se fica pra esse lado! Tu prefere ficar andando até morrer do que pelo menor ter garantia de uma casa??? - Ela se levanta.
- Sim! Prefiro morrer sabendo que pelo menos tentei fazer algo!
- Matheo, vamos voltar, por favor, podemos conversar melhor lá. Tu tá muito alterado.
- Voltar pra onde, Jane??? Pra aquele lugar caindo os pedaços onde não existe nada além de árvores? Olha em volta, só tem mato, Jane. Eu não aguento mais ficar aqui. Quero minha família, meus amigos, minha vida, Jane!
- EU SEI! Acha que eu também não quero? O que eu mais quero é voltar pro meu mundo! Mas entre ficar naquela casa ou morrer no meio da floresta eu escolho ficar lá! - A essa altura, ambos já gritavam.
- Então tá! Se você quer ficar o resto da sua vida presa nesse mundinho idiota numa casa podre usando roupa de gente morta, pode ficar!
- AH, MATHEO, QUAL É? ESTOU TENTANDO TE AJUDAR! Se tu quer ir andar por aí que nem um doido, PODE IR!!!
- EU VOU! EU VOU NEM QUE EU MORRA! mas eu vou voltar pra minha casa, pra minha família, pros meus amigos, PRA MINHA VIDA!
- ENTÃO VAI!!!
- VOU!!! E vou encontrar uma garota que me apoie nas minhas decisões e que EU VOU REALMENTE AMAR!!!
O rosto franzido de Jane lentamente desmancha.
- ... Então tu não me ama?
Matheo deixa o olhar escapar brevemente dela, então cerrando os punhos e seguindo seu caminho em silêncio, a deixando parada no meio da floresta. Alguns minutos se passaram, Jane apenas então se movera. Se virando e seguindo seu caminho de volta à casa, com leves passos, não havia entendido o que ele quisera dizer com aquele olhar. Na verdade, não havia entendido absolutamente nada do que acontecera. Ela caminhava lentamente até parar, se atirando de joelhos no chão e se sentando. Lágrimas saíam de seus olhos em abundancia. A dor de seu primeiro coração partido a fazia não conseguir pensar direito. Podia sentir um nó na garganta e um embrulho no estômago. Era como se uma névoa azul marinho abafava seus pensamentos e um leve gosto de água subia na sua boca. Jane encarava as mãos trêmulas enquanto desabava a chorar.
- Ora essa - Já longe de lá, um rapaz Inconformado pensava alto. - Passar o resto da vida esperando pra morrer... - A cada passo pesado que ele dava, um resmungo saía de sua boca e, a cada tantos resmungos ele deslizava os olhos rapidamente para trás, mas estava sozinho.
Matheo se encontrara numa parte úmida da floresta, cruzando por um tronco caído em cima d'água, aonde ele se sentara, rolara as pontas de suas calças para cima e relaxara os pés na água. Se enxergou no reflexo fosco da correnteza e se atirou um pouco de água no rosto, com um grande suspiro. Um pequeno movimento agarrou sua atenção, pensou ser uma moça muito bem conhecida, mas era um pequeno coelho branco roendo a raiz de uma pequena planta. Matheo ficou surpreso ao vê-lo, não havia visto animais desenvolvidos tanto quanto aquele coelho - no momento ele não lembrara do esquilo que já encontrou lá uma vez. O pequeno animal se assustou ao notar a presença de Matheo e correu para longe, mas a pequena planta cuja raiz ele havia roído soltou e, com uma leve brisa, voou até Matheo, que a pegara. Era uma pequena flor amarela com o centro branco. Suas pétalas eram em formatos de M e arredondadas. O reflexo da flor nos olhos de Matheo poderia ser visto de longe por qualquer um ali, mas não havia ninguém. Ele sabia muito bem o que faria com a flor, mas não iria. Não iria a entregar para Jane. Ele já havia decidido seus objetivos. Sua vida antiga era mais importante que uma garota qualquer... Ou fora o que ele pensara naquela discussão, já que 4 horas depois de tentar adormecer na beira do rio, ele voltava para casa. Suas bochechas tão rosadas não eram visíveis no breu em que se encontrava, nem seus olhos irritados de tanto que chorara. A única coisa que se podia ouvir - além de seus passos apressados - era o fungar de seu nariz. As lembranças que invadiam sua mente de quando ouvia Separate Ways em seu caminho até a escola não ajudava sua situação.
Longe dali, num quarto de paredes cor de creme com estampa florida e cortinas beges, numa cama de lençóis finos e rendas brancas, deitada embaixo de uma almofada bordada com uma flor, estava Jane, encarando o teto.
- mmmmm we made, don't you DARE FORG... - Uma batida brusca na porta seguida por duas mais leves a interromperam.
Jane abrira a porta para encontrar Matheo, ofegante, se apoiando na parede e tentando sorrir.
- Janie... o que você tá cantando?
- ... Olivia Rodrigo.
- Uhm... não conheço, hehe.
- Eu sei.
- Ah, uhm... eu... eu te trouxe uma florzinha.
- O que tu quer? - Ela cruza os braços, séria.
Matheo deixa a flor de lado no chão e praticamente pula em Jane, a abraçando tão forte quanto nunca antes.
- Eu te amo. - Disse.
Jane não respondera. Matheo lentamente soltara o abraço para a ver com os lábios tremendo, tentando conter as lágrimas (não conseguira).
- Tu foi embora... tu... tu...
- Me desc...
- Me desculpa. Eu sei que tu quer tanto ir embora, eu também quero. Desculpa, eu devia ter te apoiado mais. Ou p-pelo menos ter cuidado mais de ti como tua namorada. Me desculpa, Matheo.
- Para... para. Eu que te peço desculpas, Janie. Eu fui embora, não te respondi. Eu te amo. Não quero nenhuma outra menina, eu só quero você. Não quero ir para casa, já estou em casa. Aonde você estiver chamarei de casa. Eu te amo, Janie, eu te amo muito.
- ... - Jane apenas encara o chão. - Nós dois temos no que nos desculpar. Prometemos não brigar mais?
- Por mim sim, prometo.
- Eu também prometo. - Eles apertam as mãos, antes de Matheo a puxar e a beijar.
- Tu realmente não quer mais voltar pra casa? Tipo, casa CASA? - Ela pergunta, ainda sendo segurada por ele.
- Quero, mas eu te quero mais. - Ele a beija no pescoço e a puxa para mais perto, a fazendo rir.

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Nossa Vida
FantasyE se você acordasse completamente sozinho num lugar desconhecido?