Na manhã seguinte, Matheo acordava em seu quartinho. Havia levado uns bons minutos até ele adormecer, a sensação do beijo de Jane ainda era tão recente, e agora não seria diferente. Matheo abria os olhos lentamente, a a forte claridade vindo da janela o fez se virar para a porta, relembrando novamente aquele momento, deslizando seus dedos pelos lábios.
- "Janie..." - Ele pensou, e então, num pulo, se levantando. - Janie? - Um alto barulho viera do andar de baixo, para aonde ele foi.
Matheo descera as escadas, se deparando com Jane em frente à janela, apanhando alguns livros que ela havia derrubado no chão.
- Bom dia. - Ele diz, a fazendo paralizar, ainda sem se virar para ele. - ...Dormiu bem? - Ele pergunta, com um pouco de receio.
Um breve silêncio toma conta do ar, antes de Jane abraçar um livro e se sentar embaixo da janela, sem responder Matheo.
- Hm... bom saber - Ele diz, se sentando no banquinho da cozinha, com outro silêncio constrangedor surgindo.
- Janie? ...Olha, me desculpa.
Jane sobe seus olhos para ele.
- Desculpa.
Jane esconde o rosto atrás do livro novamente - Eu te falei que tu não fez nada de errado, tá pedindo desculpa por quê? - Ela diz, o pegando de surpresa.
- Uh... não sei. Não sei mas ainda sinto que devia pedir desculpas, aí você não ficaria brava... mas não sei o porquê.
- Se tu não realmente quer pedir desculpas não peça.
- Mas-
- Não me minta. - Jane levanta e caminha até a porta da casa, levando a mão até a maçaneta.
- Espera! - Ele se levanta, esticando seu braço para Jane, que paraliza de costas para ele. - ... Aonde você vai?
Jane não o responde, e sai da casa. Matheo a segue, a questionando sobre seu comportamento.
- Se eu não fiz nada de errado, por que você está me ignorando? Janie???
Aquilo se repetira por horas e horas, e dias e dias. Cada vez que Matheo tentava falar algo Jane fugia. Não dissera nada, até uma manhã, Matheo batia na porta de seu quarto.
- Janieee!!! - Matheo abre a porta com um alto barulho, correndo até Jane, a acordando com um chacoalho.
- AAHHH!!! O-o que? - Ela se vira ao ver Matheo sorrindo, e cruza os braços.
- Ah, Janie! - Ele se levanta e limpa a garganta - A-ham... Senhorita Jane Sanchez, creio que, conforme minha contagem, hoje seja o décimo dia do quarto mês do ano, ou seja, o dia em que sua mamãe lhe trouxe a este mundo... bom, esse ESSE mundo não sei, mas acho que você entende.
Jane o encara com cara fechada.
- Han? Haan? - Ele sorri - Não é? Sua 'quinceañera'? Hoje é um dia muito especial pra uma moça como você!
Jane apenas encarava o chão.
- Ah, eu não lembrava se sua cor favorita era rosa ou roxo, então trouxe as duas - Ele pega algumas flores amarradas que havia soltado ao seu lado na cama e entrega para Jane - Não é exatamente um buquê, mas é um presentinho.
Jane sobe seu olhar para Matheo, fazendo contato visual pela primeira vez em dias, corando um pouco, e se virando novamente.
- Mm... Obrigada. - Um pequeno sorriso surge em seu rosto rosado.
- Ah, você sorriu! Eu vi! Vai, coloca seu vestido mais lindo, se arruma, fique linda. Bom, você já é. Quer dizer, não que eu esteja dizendo o que talvez eu já tenha não dito. Ah, que se dane. Eu-e-eu eu danço com você. - Ele estica sua mão até ela, que considera por um instante, mas se levanta e caminha até o corredor.
- Ah... ah não! - Ele a segura pelo braço, a virando para si. - Para com isso! Me conta o que foi!
Jane olha para longe. Uma expressão de tristeza e preocupação surge em seu rosto.
- Tá, tá. Se isso é por causa do beijo... se aquele foi mesmo o seu primeiro, o que eu acho que foi pela sua reação... me desculpa. Eu não quis só tirar isso de você... Tipo, eu achei que você queria. EU SEI que isso não é uma coisa boa de se dizer nessas situações mas... - ele solta um longo suspiro, a soltando - Sinto muito.
- Tu não fez nada de errado, eu já te disse. Agora me deixa.
- Mas por que você está me ignorando?
- EU NÃO QUERO FALAR SOBRE ISSO! ... Me deixa em paz. Por favor.
um tom triste cobre o rosto de Matheo, que balança levemente. - Okay...
Matheo assiste enquanto Jane desce as escadas, ainda em sua camisola.
- Ainda quer celebrar seu aniversário? - Ele pergunta, sem receber respostas.
Algumas horas se passariam, Jane continuava a ler livros em frente à janela e Matheo passeava pelo riacho, atirando pedras na água.
-... I'm young... I know... but eeeven so... I know a thing or two... I learned... from you... - Ele canta - I REALLY LEARNED A LOT... really learned a lot... love is like a flame... it burns you when it's hot... love hurts... - Ele se atira no chão, com um suspiro - Pior que é... ai, Janie, por que você tem que ser tão complicada? Tão chata? E tão... doce... - Matheo se perde em sua imaginação, sorrindo, mas logo volta à realidade, olhando para ambos os lados - Que bom que ela não viu isso... foi vergonhoso... - Ele se levanta - Ah, ela nem deve conhecer Nazareth. - Ele volta para a casa.
Ao chegar, tentara cumprimentar Jane, que apenas o ignorara. Mas dessa vez, não foi um tom de tristeza que cobriu o rosto de Matheo. Sua testa franziu e sua voz se alterou.
- Tá! Tanto faz! Fica nesses teus joguinhos aí! Não ligo! - Ele grita, apontando para Jane que o encarava com olhos arregalados, o vendo jogar as mãos no ar e subir as escadas. - E isso é algo bem infantil de se fazer! - Ele sobe até seu quarto.
Mais dias de passaram, e nem Jane, e agora, nem Matheo, disseram nada. Com o passar dos dias, Matheo passava por Jane com um sobrancelhas erguidas, peito estufado e um largo sorriso claramente forçado, que atraiam o olhar de Jane, mas nunca mantendo contato visual. A falta de interesse de Jane nele o incomodava, o fazia agir como se estivesse ainda mais feliz por ela não o responder. A maneira como Matheo parecia não se importar da ausência de contato com Jane a entristecida, a fazia se distanciar cada vez mais. Os dias passavam e passavam, e nessa brincadeira de querer parecer melhor que o outro, ninguém melhorava. Apenas silêncio. Até uma tarde, Jane subia as escadas em direção ao seu quarto, mas ao passar em frente ao quarto de Matheo ele saíra de lá.
- Chega disso! - Ele a puxa pelo braço e a vira para si. - Cansei desse seu joguinho! Me fala logo o que está te incomodando, Janie! - Ele fala, quase que grita, encarando fundo nos olhos de Jane.
- M... Me solta. - Ela abaixa a cabeça.
- Não! - Ele pausa por um instante, afrouxando sua mão ao redor do braço de Jane. - Me conta... me conta o que te incomoda. - Ele diz, em um tom baixo.
Jane olha através da janela atrás dele.
- Olha, vou ser sincero. Eu odeio isso. Odeio como você vem me ignorando o mês inteiro, Janie. Odeio o silêncio que fica quando você está lendo e foge de mim. Por favor, me diz o que está acontecendo.
- ... Eu... eu não consigo. - Ela diz, quase sussurrando.
- Janie... - Ele coloca ambas as mãos nos ombros dela, as deslizando até seus cotovelos. - Você pode confiar em mim.
Ela olha brevemente para ele, suspirando.
- Você... você viu alguém na floresta? Te falaram alguma coisa?
- N-não... eu... ah... - Ela se solta dele, fechando os olhos com força. - Eu...
Matheo a encara com curiosidade e preocupação. Jane suspira novamente.
- Eu gosto de ti. Eu acho. Não, eu sei. Eu sei. Acho que sei. Talvez um pouco mais do que eu devia. Eu sei que é idiota, eu sei que não tem nada a ver e é provavelmente só coisa da minha cabeça mas... É tão diferente, não é? Olha só, tu consegue fazer tantas coisas, eu tento fazer algo e quase morro afogada. Tu é tão incrível em tantas coisas, eu me sinto como se fosse uma ninguém, sabe?
Matheo assiste com uma certa pena, enquanto Jane falava e falava, gesticulando com as mãos e com sua voz trêmula. Mas então ela parou, já que seus lábios estavam, mais uma vez, juntos.
Alguns segundos se passaram, e Matheo se afastara levemente.
- Eu te amo, Janie.
- ...O que? - Ela tenta recuperar o fôlego.
- É sério. Cada vez que eu flertava com você, ou elogiava, e você me rejeitava... aquilo doía, Janie. Doía de verdade.
- Eu... achei que tu tivesse brincando, tu mesmo disse que não tinha essas intenções.
- Também achei.
Jane olha através da janela.
- Me diz - Ele vira o rosto dela para ele. - Me diz que não sou só eu.
- O q-
- Eu sei que já disse, mas diz pra mim, com todas as letras.
Jane fecha os olhos e inspira, abaixando sua cabeça e apertando a mão de Matheo, voltando seus olhos para os dele e sorrindo.
- Eu também. Eu também te amo.
Matheo a encara por alguns segundos, abrindo mais um largo sorriso, soltando pequenos risos que a contagiam.
- Eu... eu não sei nem-... - Jane pula e o abraça, o interrompendo, que rapidamente a abraça de volta, deslizando sua mão pelos cabelos de Jane.
- Ei... - Ele olha em seus olhos - Você não disse que tinha um menino te esperando no seu mundo? - Ele olha para ela, um pouco entristecido.
- Ah... aquilo... - Matheo crava os olhos em Jane.
- Bem... e-era tu. - Ela ri.
- Ahn? - Ele assiste enquanto ela ri, cobrindo a boca. - Você estava me desenhando?
- ª... Não? N-não.
- Janie? - Ele abre seu sorriso de lado.
- AH! Não! Apaga! - Ela passa a mão pela testa dele.
- Vou querer ver esses desenhos. - Ele sorri, a fazendo corar.
- Esquece isso... - Ela olha para baixo.
- Então... - Ele encaixa seu braço na cintura de Jane, a puxando para mais perto e deslizando sua mão pelo rosto dela, empurrando um cacho solto para trás de sua orelha. - Já posso te chamar de minha?
- Que!? - Seus olhos arregalam e Matheo ri.
- Entendi, não é formal o suficiente, tá bom, vem cá. - Ele a puxa pela mão até fora da casa.
- O que? Matheo! - Jane resmunga, mas ele continua a puxando, até adentrarem as árvores, aonde ele colhera várias flores do chão.
- Matheo, o que tu tá fazendo? Não precisa disso - Ela sorri.
- Aqui, eu te pergunto - Ele se agacha em frente à ela, lhe entregando as flores. - Quer ser minha, Jane? A minha Janie. E eu serei só seu.
- ... Pra que tudo isso? - Ela ri, com um pouco de nervosismo.
- Nem todas as flores deste, do meu, e do seu mundo juntas, valeriam tanto como a bela flor que tenho em minha frente, e à qual eu pergunto, quer ser feliz comigo? Ou triste, ou brava, e tudo?
Jane o encara com os olhos cintilantes, o vento morno balançava as flores na mão de Matheo e a luz alaranjada do sol iluminavam seus rostos, tão vermelhos quanto seus corações, que batiam acelerados, em harmonia. Pela primeira vez em anos, se sentiram em casa.
- Sim. Eu quero, sim! - Ela sacode sua cabeça rapidamente, um grande sorriso infantil surgindo em seu rosto, dando pulos enquanto puxava a mão de Matheo, o fazendo sorrir também.
Matheo se levanta e a puxa, colando nela um longo beijo, enquanto folhas esverdeadas caíam das árvores ao seu redor e borboletas voavam sobre eles. O aroma das flores deixava tudo com um gosto doce e calmo. A luz do sol os iluminava tão perfeitamente, um holofote exaltando o show que era a cena, um presente da natureza celebrando tal momento. De longe se ouvia grilos começando sua orquestra noturna, se preparando sob o pôr do sol. O céu sobre eles continha uma coloração rosada, tão delicado, tão puro, as poucas nuvens haviam tons de lilás e eram tão fofas quanto algodões. A atmosfera era quase mística em um dia tão confuso e ao mesmo tempo... tão mágico. Aquele seria um momento que para sempre seria relembrado e contado, e se os fossem pedidos para descrever a perfeição, aquele fim de tarde seria a resposta. Os anos não mudariam a pureza e a inocência daquele tempo, nem daquele amor.
- Gostaria que isso durasse para sempre. - Disse a menina, descansando sua cabeça sobre o peito do rapaz, enquanto dançavam lentamente entre as flores.
- Não tem porquê acabar. - Ele a beija a testa.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Nossa Vida
FantasyE se você acordasse completamente sozinho num lugar desconhecido?