Incapaz de Esquecer

Família

As luzes a beira mar refletiam na tenda. Eu esperava ansiosa o que ela tinha a dizer. Como uma pessoa de alto grau de parentesco pode ser uma completa estranha? Não sabia absolutamente nada sobre a sua vida. A não ser a semelhança com o meu pai. A clase social visivelmente podia ser notada. Ela agia como a família do Klaus na elegância. Mas o olhar era triste e opaco. Sem vida. Com uma profunda tristeza. Uma mulher mistériosa e cética. Nós paramos lado a lado.

-Você deve ter tantas perguntas. Talvez queira saber o motivo da ausência dos seus avós ao longo de todos esses anos. Eu sei que Alaric ficaria furioso se soubesse. Ele era a cola que nos deixava unidos.

Eu analisei o seu comportamento. Ela estava incomodada e cansada. Como se guardasse um segredo há muito tempo. Como se a dor fosse a sua sina para sempre.

-Eu não sei. Acho que as coisas são como são.

-Veja... quando o seu pai faleceu, a nossa família entrou em colapso. Nós tinhamos a leve esperança que algum dia ele fosse cair em si e voltar para nós. Que iria dirigir a empresa e ser o que ele fora criado toda vida para ser. Foram anos de cursos. Mas aí ... ele conheceu a sua mãe. Uma mulher independente e linda. Que sonhava se tornar médica. E nada adiantou. Ele largou tudo para ficar com ela. E era inaceitável aquela situação. A rachadura em nossa família foi inevitável. O seu avô o deserdou. Alam não podia suportar o fato do seu filho mais velho preferir uma mulher ao invés do seu patrimônio. Ele não conseguia entender.

-Só por que ele quis formar uma família? - perguntei incrédula.

-Porque ele o desafiou. Alaric era o único filho homem. E seria o presidente das empresas. Ele teve a vida regada por ensinamentos. E tinha muitas responsabilidades. Alaric nunca tinha o enfrentado. Mas a sua mãe, deu a ele a coragem que precisava para se opor a tirania do seu avô. E eu assistia tudo aquilo, sem poder fazer nada. Eu vi a minha família ir se desfazendo aos poucos. E não fiz nada - havia dor em sua voz. Arrependimento. Eu nada falei. Somente escutei. -Eu me arrependo tanto por não ter feito nada. Alaric nunca voltou. E morreu brigado conosco. Os próprios pais. Você entende como foi difícil? Suportar a dor de perdê-lo sem ao menos nos despedir. Por puro orgulho. Eu não tinha nada contra a sua mãe. Eu admirava a sua perseverança em não depender de ninguém. E invejava um pouco. Nunca tive coragem de ser como ela. Quando o seu pai perdeu tudo. Ela foi o alicerce. Nunca o abandonou.

Eu não quis soar rude. Porém tive que perguntar. Eu já sabia de metade daquela história. E saber que a minha mãe foi tão crucial na história do meu pai. Me enchia ainda mais de orgulho.

-E o quê isso tem a ver com a Lizzie e eu? Vocês perderam o filho e nós perdemos pai e mãe. Ficamos órfãs. Mais que nunca precisávamos da família inteira. Vocês nos abandonaram no momento mais delicado das nossas vidas.

Eu não fiz questão de esconder a mágoa. Era injustificável deixar duas crianças sozinhas no mundo. Crianças que nada tinham a ver com a guerra entre pai e filho.

-Bem, absolutamente muita coisa. Não estou dizendo que a culpa é de vocês ou da mãe de vocês. Nós somos os culpados. Porque colocamos os bens materiais acima do laço familiar. O tornando o mais importante. Nós deixamos o seu pai ficar ausente por puro orgulho. E quando ele morreu. Não teve volta. Vocês duas se tornaram a lembrança constante da culpa que o seu avô e eu carregamos. E ficou insuportável ficar perto de vocês. Alam mergulhou em mais e mais trabalho. E a bebida faz parte do seu cotidiano. Ele nunca mais foi o mesmo. Caroline decidiu ir embora, em busca do sonho. E eu fiquei isolada naquela mansão. Muitas vezes eu quis procurar por vocês duas. E tentei entrar na justiça por suas guardas. Mas ele me proibiu. Deixou claro que o nosso casamento acabaria se eu tentasse ao menos ficar com vocês. Achou uma afronta direta ter as filhas do Alaric perto de si. Disse que eu queria lembrá-lo de tudo o que houve e fazê-lo se sentir culpado. Até hoje ele não aceita que o seu pai partiu para sempre.