LENTA TORTURA

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Primeiro, o desmaiaram com fortes pancadas no crânio, subjugando-o até que suas vistas se apagassem em borrões indistintos. Lembrou-se apenas da maneira como o ergueram do chão, e aí a consciência o abandonou.

Quando acordou, sua cabeça doía como se estivesse cheia de chumbo, e ao seu redor, havia apenas a escuridão da cabana de Walros.

Com exceção duma pequena tocha fixa ao chão, nada mais iluminava o recinto. O duende-mor punha-se diante dele, o rosto babando de perversão.

— Pensei que tivesse dormido para sempre — disse ele. — Quase dei-o por morto.

— S... solte-me, para eu poder socar essa sua cara de merda...

— Como você sobreviveu ao ataque? Eu vi o estado do cadáver. Nenhum ser comum poderia resistir àquilo.

— Sou Zayan do espaço, e seu povo bate muito fraco para mim!

Walros deu uma gargalhada e abaixou a cabeçorra, deixando o queixo melado rente à face do homem.

— Temos que parar de brincar, antes que isso daqui vire bagunça. — Puxou uma faca de ossos da bainha. — Vamos ver o quanto esse seu corpo aguenta.

Sem mais nada dizer, enfiou a lâmina no ombro direito de Zayan. Ele cerrou os dentes, a dor fulminante lhe percorrendo os nervos. Em sequência, o chefe dos duendes deu-lhe mais três golpes no peito, perfurando seus pulmões. Zayan sentia como se mil agulhas estivessem sendo enfiadas em sua carne, e gritou para o alto. Seus olhos encheram-se de sangue, arregalados para cima.

— Vejo o quanto é forte — disse Walros. — Una-se a mim, e faremos as maiores crueldades juntos.

— Nunca... farei... isso... — Após dizer estas palavras, no entanto, a mente de Zayan foi tomada por uma mágoa antes desconhecida. Toda aquela dor fez com que, dentro dos neurônios hiper aguçados, pensamentos de poder viessem em ondas.

Imagens dele escravizando e dominando o povo de Alice o corrompiam, trazendo-o a um estado de êxtase.

— Eu sei que deseja ser grandioso como eu — murmurou o duende. — Poderá ter vilas inteiras só para você! Os escravos irão produzir do bom e do melhor, e terá quantas mulheres desejar.

A parte das trevas no cérebro do estrangeiro tornou-se mais forte. Nunca pensou que algo assim se encontrasse em seu DNA, mas lá estava, sambando em seu lobo frontal. Salivava com a expectativa de poder dominar, e via-se como rei, subjugando Alice e seus súditos. Nada poderiam fazer contra sua força sobre humana.

Mas então lembrou-se de seus princípios, mordendo os lábios para retornar à realidade. Jamais poderia ser um traidor, e deixar para trás aquilo em que acreditava.

— Um pouco mais de tortura pode funcionar. — Walros enfiou-lhe a adaga repetidas vezes, aumentando ainda mais a profundidade dos cortes.

Ficaram ali por um bom tempo da noite, e o prisioneiro já não tinha mais forças para sequer erguer o rosto. Entretanto, não cedera, e sua palavra permanecera a mesma.

Subitamente, um dos duendes menores adentrou a cabana. Zayan mal conseguia olhar para ele, pois sua vista encontrava-se extremamente debilitada pela perda de sangue.

— Senhor Walros — falou —, os batedores disseram haver inimigos por perto. Creio que Alice veio em auxílio dos seus.

Walros pegou a faca ensanguentada e começou a limpá-la com um pano manchado.

— Vamos levantar acampamento. Não temos mais tempo a perder aqui. Este desgraçado vai com a gente. — Sem mais delongas, saíram da barraca para ajudar o restante do grupo a pegar as bagagens e preparar-se para marcha.

O homem do espaço ficou sozinho, acompanhado apenas pela própria desgraça. Tinha na cabeça somente leves memórias, que sambavam de lá para cá. Seus princípios confundiam-se, e a vontade por dominância aparecia e depois se dissolvia, trocada pela resiliência do guerreiro em resistir às tentações.

Ouvia apenas o som dos duendes aprontando-se lá fora, seus gritos animalescos e os pés peludos movendo-se pela relva.

Mas, enquanto ele estava ali, derrotado, uma forma alta e musculosa andava pela noite. Era um homem forte e negro, as mãos munidas de um grande porrete.

Chegou perto da cabana, olhando de um lado a outro para ver se alguém estava nos arredores. Notou um pequeno guarda na entrada, uma fina lança na cintura.

Como um gato furtivo, deu-lhe uma bofetada no crânio, fazendo-o tombar morto sem provocar ruídos. Entrou, e logo viu a figura deplorável de Zayan.

— Precisamos sair daqui rápido — sussurrou.

O homem do espaço conseguiu apenas vislumbrar o sujeito que o resgatava. Ele logo se aproximou e removeu as cordas que prendiam seus membros, colocando-o sobre os ombros.

— Quem é você? — disse Zayan, com a voz rouca.

— Me chamo Bento. Não se preocupe, estou do seu lado.

Passaram pela entrada da cabana e saíram noite afora. Bento ia vagarosamente, enquanto os duendes detinham-se em preparar marcha.

Agora, eles se encontravam bem perto da estacada, com a sorte de a escuridão os ter escondido o suficiente. Com toda a força que possuía, Bento arremessou aquela montanha de músculos acima da cerca, e escutou quando ele aterrissou do outro lado.

Preparava-se para pular, quando ouviu berros atrás de si.

— Ele não está mais aqui, mestre! Alguém matou a sentinela!

— Devem estar dentro da vila ainda — disse a voz de Walros. — Encontrem-nos, seus preguiçosos!

O coração de Bento disparou; correu para trás e encarou a cerca, pulando com bom impulso. Neste exato momento, sentiu mãozinhas ásperas lhe agarrarem o tornozelo, bem no instante em que segurava a madeira.

Viu o homenzinho logo abaixo, os dentes afiados fechados numa ira ensandecida. Levantou a faca de ossos, e preparou-se para fincá-la no fugitivo.

Firmando o braço com a clava, Bento bateu-a entre os olhos do bicho, vendo o sangue espirrar e o corpo cair no mesmo instante. Antes que pudesse parar para respirar, enxergou mais deles, vindo com tochas e arcos nas mãos.

Saltou a paliçada no momento em que dezenas de flechas eram lançadas; por sorte ficaram todas fincadas à cerca, e não no corpo do guerreiro.

Logo pegou Zayan, e o saiu arrastando floresta adentro, escutando os sons terríveis dos perseguidores logo atrás.

ZAYAN DO ESPAÇOOnde histórias criam vida. Descubra agora