ENCONTRO FEROZ

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O que ninguém sabia, nem os duendes ou homens, era que a cobra morta não estava sozinha. Seu filho encontrava-se ali, rastejando por caça afastado do pai. Assim que chegou de volta ao ninho e não viu ali o parente, começou desesperado a buscar por ele.

Gritava e sibilava, tentando encontrá-lo, até que finalmente achou o cadáver. Começou a debater-se, guinchando de uma forma indescritível. A língua ia de um lado a outro, e as paredes das formações rochosas balançavam e ecoavam repetidas vezes aqueles sons.

Walros acabara de despertar naquele momento, e a princípio, temeu pelo guinchar do animal. Mas logo, sua mente maldosa ligou os pontos, e tateando às cegas, conseguiu achar o lugar de onde provinham as lamúrias. Para ele, a serpente era apenas um borrão indistinto, com duas luzes azuladas no local dos olhos.

O duende notava a tristeza da criatura, e logo viu como poderia se aproveitar dela.

— Eu posso te ajudar a encontrar quem fez isso — disse Walros.

A serpente piscou, procurando de onde viera aquela voz.

— Quem está aí? — disse ela.

— Um amigo.

— Sinto cheiro de duende! Foi você que matou meu pai? Terá uma morte lenta por isso!

— Não, não fui eu. Entretanto, aquele que o assassinou encontra-se não muito longe daqui, e vaga pela floresta.

— Por que deveria acreditar em ti?

— Eu preciso de ajuda para sair dessa caverna. Não há mais tochas ou qualquer luminosidade. Apenas você pode me guiar para fora deste lugar. Se não me devorar, eu a levarei até sua presa, e então poderá se vingar dela.

Fez-se silêncio enquanto o monstro digeria o que acabara de escutar. Analisava, com os olhos infravermelhos, o ser que lhe fazia promessas. Era pequeno, e nada poderia contra suas presas longas e possantes. Não havia o que temer.

— Então me guie até ele, maldito. Mas, se falhar com a palavra em algum momento, irei comê-lo pedaço a pedaço!

Walros sorriu, mal podendo acreditar na própria sorte.

— Não vou decepcioná-la, companheira.

Então, os dois aliados moveram-se pela caverna, e juntos foram atrás do mesmo objetivo.

Enquanto isso, há não muitos metros dali, Zayan e Bento cobriam distância. O homem do espaço observava o solo, buscando as pegadas e sinais que pudesse encontrar do povo de Alice.

Não tardaram a se embrenhar na floresta, e dar de encontro com um grupo de batedores. Entre eles estavam caçadoras, a rainha e Levi.

— Zayan! — disse Alice. Ela se aproximou e caiu nos braços do homem. — Como estou aliviada por vê-lo vivo!

— Também me sinto feliz em voltar — disse Zayan. — E digo-lhes mais; Walros está morto.

O queixo da rainha caiu diante de tal afirmação, e em seus lábios um grande sorriso formou-se. Porém, isso mal acabara de ser informado, quando escutaram algo rastejando, há muitos metros de distância.

O homem do espaço soltou a rainha de seus braços musculosos, e olhou na direção do horizonte. Arregalou os olhos com a surpresa que o preencheu, pois ali, montando numa grande cobra, vinha Walros. O duende-mor agitava um porrete nas mãos, e as pupilas negras denunciavam o ódio de sua alma.

O grupo inteiro assustou-se, e todos queriam partir e se refugiar. Mas Zayan disse que ficaria, e finalmente daria fim àquele desgraçado. Alice tentou dizer-lhe que isso era loucura; ele morreria para a cobra, ou pior, poderia ser torturado.

Mas o estrangeiro se manteve firme, e logo todos começaram a correr para voltar à vila. Com exceção de Bento. Este ficaria, mesmo que Zayan tivesse dito que fosse embora à toda custa.

— Eu o resgatei daquela vez — disse ele —, e você me resgatou na caverna. Ficarei do seu lado, senhor, não importa o que aconteça.

O homem da espaço não continuou insistindo, e juntos puseram-se em bases de batalha, aguardando pelo inimigo. A cobra já estava bem próxima, sua língua bifurcada inundada com saliva reptiliana.

— Zayan! — gritou Walros. — Agora, minha vingança será realizada!

Após estas palavras, eles finalmente se chocaram. A grande cobra veio caindo em cima deles, numa fúria que apenas poderia ser justificada pela morte de seu pai. Zayan e Bento desviavam-se dos ataques, mas eles tornavam-se cada vez mais perigosos e diretos.

Em dado momento de cansaço, Bento foi atingido, sendo mordido direto no peito. Zayan gritou pelo companheiro, golpeando com a lança o corpo da cobra. Mas ela não largou a presa, trucidando-a com os dentes poderosos. Bento cuspiu muito sangue, e foi arremessado em árvores próximas, tombando de olhos vidrados e paralisados.

Zayan soltou um rugido de raiva e tristeza. Não podia acreditar naquilo; seu companheiro fora vencido por Walros, e a cobra desgraçada mal havia sido arranhada por sua arma. Era um animal mais jovem que o anterior, contra o qual lutara na caverna. Suas capacidades certamente superavam às do pai, em todos os aspectos.

Mesmo após o terrível incidente, o guerreiro manteve-se firme, fazendo o possível com os músculos imensos. Walros exalava extrema confiança, louco para ver o inimigo completamente destroçado.

Zayan foi recuando, defendendo-se da boca do animal da melhor maneira possível. Mas ele já estava cansado, os poros encharcados de suor. Seu corpo parecia-se besuntado de óleo, de tanto que brilhava à luminosidade do sol.

— Vamos! — berrou Walros. — Renda-se, e una-se a mim, Zayan! É a única chance que tens de permanecer vivo! Caso contrário, a cobra te matará!

De repente, a parte maligna na mente do guerreiro tornou a ribombar. Ele viu-se em cenários de dominância; todos tratavam-no como um verdadeiro rei. Podia sentir o gostinho que aquilo lhe oferecia. Entretanto, sua mente civilizada ainda prevalecia perante às tentações da carne.

— Nunca! — exclamou. — O arrastarei comigo para a cova!

A batalha prosseguiu, com a lança de Zayan movendo-se num borrão, tirando faíscas das presas do monstro. Mas o olhar azulado da criatura ficava cada vez mais incandescente, e o homem do espaço era forçado para trás.

Foi tão pressionado, que de repente sentiu um buraco sobre seus pés, abaixo de uma grande quantidade de folhas caídas. Suando muito, ele tentou permanecer em suas bases, e resistir à próxima investida de Walros. Entretanto, o duende-mor aproveitou um momento de desiquilíbrio do inimigo, e deu-lhe uma bofetada com o porrete.

Sem ter tempo de perceber o que lhe acontecia, Zayan escorregou para dentro do buraco, caindo sem parar. Já não podia mais enxergar a luz lá em cima, quando bateu a cabeça e apagou.

ZAYAN DO ESPAÇOOnde histórias criam vida. Descubra agora