AMNÉSIA

Parte 17

Manchei a blusa que você me deu no nosso primeiro Dia dos Namorados juntos. Era a minha favorita. E agora está branca e laranja pela cândida que derramei sem querer. Tenho andado muito distraído, pensando nele, não mais em você. Aquela noite, o jantar, o início de um romance sem pretensões. Tudo isso fez com que eu sujasse a minha blusa favorita. A blusa que você mais gostava de me ver vestido. E por isso, ela se tornou a minha primeira escolha no armário.Daqui a menos de um mês, faríamos aniversário. E este é o primeiro ano que sinto que não vou chorar até dormir enquanto ouço Lana e curto meu porre de vinho barato. Você me mandou uma mensagem hoje, Lucas, perguntando se eu estava bem, se vou para o jogo desta semana. Comecei a gostar de futebol por sua causa, mas a amar pelo time. Você e eu só fomos ao estádio juntos uma vez. Deu empate. Mas nem vimos o gol do adversário. Foi no começo do segundo tempo, e ainda estávamos na fila para comprar cerveja.Foi quando involuntariamente olhei para o seu celular. Se eu pudesse desver aquilo, se eu pudesse, só por um dia, ter apenas um desejo, um mísero desejo, seria fazer com que aquele milésimo desgraçado de segundo nunca tivesse sido agraciado pela dádiva da existência. Porque depois que esse segundo deixou de ser uma previsão banal e se tornou realidade, nós nos tornamos irreais.Uma foto. De outro homem. No espelho. Despido não só de roupas, mas de medo, pudor e completamente vestido de pretensão. Eu imaginei quando, como e onde você recebeu aquela imagem. Qual foi o momento em que eu falhei com você a ponto de nem nosso tesão ser suficiente. Em que dia dos mais de oitocentos que passamos juntos até ali, só a minha nudez não te bastava.Naquele dia, descobri um lado de mim que sempre critiquei na minha mãe, nos meus amigos e em qualquer personagem de Grey's Anatomy. Depois da foto, de pegar a cerveja quente e engolir minha ansiedade goela abaixo como um remédio ruim, dei as costas para que seu braço repousasse, e voltamos às cadeiras marcadas nos nossos ingressos. Você me beijou no gol seguinte, abriu a porta do carro e me colocou ao seu lado enquanto voltávamos para nossa casa. Escolhi "West Coast" no rádio. Me tomou pra si com força, como se eu já não estivesse estraçalhado por dentro. E fez amor com o que restou de mim. Eu senti seus lábios quentes no frio dos meus. E pude observar a nossa transa de fora, como se só meu corpo estivesse na cama, mas a alma assombrando o lugar. Visualizei a mensagem, mas não achei boas palavras para te responder.