Parte 14

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Eu podia sentir o calor da bituca do cigarro dele queimar na minha pele. Era como o sol penetrando seus ultravioletas sob minha epiderme. Senti as microscópicas bolhas se formarem por entre meus pelos. Naquele dia, pude sentir, quase que como sobrenaturalmente, a destranca das vibrações emocionais se formando no meu córtex. Tão à flor da pele como quando observei seus gemidos pela primeira vez. Entendi o fim como entendo de mim mesmo. Senti, quase palpável, a falta de tudo. Subitamente vi nós dois desabando sob meus pés. Acabou.

Em meio àquela discussão, fumando sua raiva em forma de nicotina, apontando todos meus erros, do abrir dos olhos ao amanhecer, até o não conseguir fechar deles nas madrugadas sem fim, me esbarro na confusão mental de associar o homem que amo ao mesmo que apaga seu cigarro em meu braço.

Depois de jogar suas roupas no chão, quebrar o guidom da própria bicicleta e socar três ou quatro vezes a porta amarela que pintamos naquele verão, eu percebi que não era mais você. Assim como também não poderia ser mais eu, depois do que vi. Depois que senti você escorrer como areia por entre meus dedos. O calor da bituca queimando me queimando pareceu como a traição da luz do Sol provocando câncer depois de um dia alegre na praia.

"Desculpa". Foi tudo que consegui dizer. Me senti culpado por tudo. Por todo caos que nosso amor se tornou, por sentir pouco, por querer que, apesar de tudo, ele ficasse. Mesmo que eu o tenha mandado embora logo depois de implorar por seu perdão. "Sai daqui. Não volta, por favor. Nem que eu te ligue mil vezes numa noite. Ou vá atrás de você, ou arranhe seu carro. Nunca mais vai voltar a ser 'nós'. Some. Finge que nunca nem fizemos parte um do outro. Só vai. Não esquece nada aqui de propósito pra buscar depois, eu não vou te devolver".

E ele foi como vento. Passou pela porta e me deixou apenas o frio. Se o arrependimento fosse como fogo, todo álcool que tomei pra te esquecer queimaria.

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