Parte 10

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"Dorme aqui em casa hoje? Não tem ninguém, odeio ficar sozinha". Era uma das coisas que eu e Luíza tínhamos em comum. Odiávamos ficar sozinhos. Por isso andávamos juntos na maioria das vezes. Supríamos nossas necessidades de atenção. "Até quando?". "Hoje é segunda, né? Até quarta?". "Meu Deus, que saco". Ela já tinha se acostumado com o meu jeito tosco de mostrar o quanto eu amo as coisas que amo. Quanto mais eu finjo reclamar, mais eu adoro. Às vezes soa Blasé. Nem sempre, porque eu realmente reclamo de muitas coisas.No fone de ouvido ecoava Marcelo Perdido:Como ser feliz só, Eu preciso aprender a querer Ou não querer Como ser feliz só, é preciso aprender...É estranho, mas, já parou pra pensar o quanto dependemos dos outros? Você nunca vai se surpreender sozinho, nem aprender, nem mesmo amar. Até o amor próprio são os outros que despertam na gente. Incrível. Incrivelmente bizarro. Quase sempre tinha medo de sentimentos. Devia ser porque o histórico era péssimo.Meu Primeiro Grande Sentimento foi ainda no Ensino Fundamental I. Quando me apaixonei por um colega de sala. Todas as garotas eram afim dele. Seu nome era Diego. Ele jogava futebol todos os dias no intervalo. E eu fingia comer pão com queijo na cantina, só porque de lá tinha uma ótima visão da quadra. Uma vez, Diego me olhou de volta em meio a minha constante paralisia ocular. Uau, aquilo me quebrou. Pensei, por um segundo, que tinha alguma chance com ele. Maldito segundo. No dia seguinte, passei um bilhete pra ele. No final da aula, ele e os amigos dele me bateram e xingaram. Naquele dia eu voltei pra casa escondendo as marcas roxas. Nunca contei isso a ninguém.Meu Segundo Grande Sentimento, foi a vergonha que senti de mim mesmo naquele dia.O Terceiro foi quando meu pai morreu. Eu tinha 20 anos, já não era uma criança, mas chorei como se fosse. A dor tomou conta de mim como nunca. Mas precisava ficar forte pela minha mãe. Imaginava minha dor e o triplo que era a dor dela.E então eu tinha 21 anos quando o meu Quarto Grande Sentimento chegou. Era o Amor. Aquela droga. Foi quando comecei a namorar Lucas. Meu Deus, foi arrebatador. Ele era como uma tempestade em mim. Me devastava. E eu nem vi chegar, quando dei por mim BOOM, Olá, eu sou o amor da sua vida. E eu nem sei dizer o que ele tinha de tão especial. Eu acho que ele não tinha nada. Provavelmente nada. Ele era só mais um cara normal, de um lugar normal, tendo uma vida um pouco mais complicada que o normal. Só mais um cara que odiava cigarros e sabia tocar guitarra. Um garoto que colecionava bicicletas sem saber andar nelas direito. "É pra eu não esquecer de aprender", ele dizia.E, obrigado por isso. Eu queria poder dizer a ele. Porque, mesmo depois do nosso fim, ele continuava sendo especial pra mim, Afinal, não importaria o tamanho do meu universo, se você não fosse uma das estrelas. Mas de vez em quando ele ainda me fazia chorar. Era inevitável não pensar no que nós faríamos se ainda estivéssemos juntos. Se ele me ligaria dizendo que vai precisar ficar mais tempo no trabalho. Ou se iríamos pedir pizza pra jantar. Ou se, quando ele arriscasse andar de bicicleta de novo, ralaria o joelho ou conseguiria virar a esquina. Doía demais. Demais mesmo. E doeu mais ainda quando ele disse que gostava de mim. Era difícil, porque no fundo, eu ainda o amava. Era estranho saber que não tinha mais volta. Será que as pessoas têm noção do estrago que elas fazem dentro das outras? Como pegadas na neve que trazem marcas dos pés de quem pisa. Você pisou no meu inverno, e o verão não quer chegar.Tinha medo que o meu Quinto Grande Sentimento fosse, de novo, a tristeza.

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