Parte 2

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"O que aconteceu com você, Nicolas?" Foi a pergunta que minha mãe me fez assim que sentamos à mesa. Confesso que, por dois minutos, não soube a resposta. Para mim, não era muito normal estar sozinho, mas tentei isso por oito meses. Passei esse tempo sob controle do meu piloto automático emocional e mental. Eu conseguia fingir que estava bem, sair, beber, fingir que realmente me importava com alguma coisa e morrer em casa, sozinho, como todo mundo faz. Pensei em tudo o que fiz e em como cada detalhe me fez mal. Rachou a estrutura que construí durante 25 anos. Tudo isso em míseros dois anos de negação.

Me fazia mal ficar longe dele. Eu preferia continuar procurando esperanças no vazio a aceitar minhas lembranças. E todo mundo sabia disso, principalmente a minha mãe, que continuava esperando respostas.

"Nada. Estou bem. Eu sempre estou bem." "Então por que você age como se não estivesse? Por que some? Eu sou sua mãe, Nicolas. Você sabe que pode confiar em mim." Não sei não. "Eu sei, mãe. Mas, eu já disse. Estou bem." Eu adorava minha mãe. Mas existem coisas que precisam morrer com você e seu 'outro eu' do passado.

Eu tentava matar minhas lembranças com ele, mas nada deixava. Ninguém deixava. Nem as roupas que ele esqueceu no apartamento, nem os constantes "Mas você não namorava? Cadê ele?", muito menos os lugares onde costumávamos ir. Então, tudo o que faço é pensar que ele poderia voltar. Fazer qualquer coisa comigo. Xingar-me, gritar comigo, ou só ficar me olhando, respirando o mesmo ar que o meu. Qualquer coisa. Eu só queria que ele voltasse. Não necessariamente voltasse comigo. Só queria que ele estivesse perto de mim. Perto do que fomos um dia. Porque ele era a única pessoa que me dava a certeza de um depois. Ele me abraçava, dizia "Eu estou aqui. Nunca se esqueça disso, tudo bem? Amo-te". "Amo-te". Mas as coisas mudaram. Brigas por coisas idiotas. Falta de atenção. Quando dei por mim, ele não estava mais lá. Esse era o problema. Eu achava que ele sempre estaria do meu lado, me esperando. Cuidava do nosso amor por dois.

O resto da família – meu tio, o marido dele, minha prima, meus dois primos e minha tia avó – chegou pouco depois das 12h34min. Isso foi ótimo, porque eu não queria falar sobre a minha breve-depressão-que-quase-me-quebrou, e minha mãe não gostava de falar sobre problemas na frente da família inteira. Era uma senhorinha discreta. Ali eu não estava mais sozinho. Tinha pessoas tão tristes quanto eu do meu lado. Cada um tinha seu motivo pra lamentar ali. Mas todos riam, conversavam e desviavam a atenção dos seus próprios conflitos. Eu ainda não estava pronto pra atuar meu próprio papel de pessoa normal. Superar é difícil. "Preciso sair daqui. Vou enlouquecer com tanta demagogia", lê-se: "Me desculpem. Não vou poder ficar. Tenho umas coisas pra resolver hoje". Quem resolve alguma coisa domingo?

Entrei no carro. Liguei os faróis. Engatei a marcha e dei ré até sair por completo da garagem. Não olhei pela janela pra responder o aceno da minha mãe. Não li nenhuma placa no meio do caminho. Não parei em faróis vermelhos. Foda-se. Eu tinha coisas piores para me preocupar. Eu surtei? "O que eu estou fazendo?". Eu deveria voltar lá. Voltar e fingir que estava bem. Fingir que não queria sumir da minha própria vida. Falar que tudo foi resolvido. "Não choro há duas semanas!" Mentira. Chorei segunda, terça, quinta e na noite anterior. Eu não estava bem, e não queria fingir que estava. Só queria poder sorrir de verdade outra vez.

Quando cheguei em casa, a minha cabeça começou a latejar por tantas lembranças. Tudo estava perdido. Tudo. Tudo! Eu não deveria ter feito aquilo. Deixar que ele se tornasse meu remédio mais eficaz. Me viciei em você. Agora, sou um completo dependente da nossa química. Merda.

Deito na cama. Espero a dor de cabeça passar. Mesmo sabendo que qualquer tentativa seria falha. Meia hora depois, me dou por vencido. "Tudo bem dor estúpida. Já que é assim, vamos te piorar". Liguei as caixas de som. A TV.

"Nós éramos mais. Que química e só. Escândalo e paz. Éramos Coll Jazz. Farra e forró."

Aumentei o volume até o último tom para tentar surdar as vozes que ecoavam na minha dor. Elas eram neuróticas. Queriam me assombrar. Diziam: "Você precisa dele. Todos os dias. Todos os dias. Todos os dias". Elas estavam erradas. Eu achava a mesma coisa, mas sabia que eu também estava errado. Por isso briguei com elas. Gritei. Gritei muito. Até elas entenderem que eu não precisava de ninguém. Elas não tinham o direito de invadir minha mente.

Fui atordoadamente interrompido por uma campainha. "Já vai, já vai". Era Ana. "Oi. Desculpa interromper seu Karaokê, mas esqueci a minha carteira aqui, eu acho".

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