Parte 6

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Tentava fazer tudo parecer normal, me acostumar com a ideia de não ser mais parte dele. Era quase impossível. A cada olhar, lembrava-me de nós dois andando pela casa, resolvendo nossas coisas ou enrolando o acordar na cama. Ninguém deveria passar por isso. É quase desumano. Dor insuportável. Cutuque de alicate no canto unha. "Nicolas? Eu não esperava te ver aqui hoje". "Nem eu". Ele ria. Disfarcei, tentei rir também. Pareceu mais uma reação de soco do que uma risada. Era o melhor de mim. "Você tá bem?". "Melhor. E você?". "Bem". Era estranho. Muito estranho. Ficar frente à frente com o cara que você mais amou na vida e simplesmente agir como se tudo tivesse sido um sonho ou algo assim. "Isso é sério? Viramos colegas de social?". Explodo. "O que você quer que eu faça?". Não era mais ele. "Nada, Lucas. Eu meio que já estava indo embora, então tchau". Não fiz questão de escutar o "Tchau" dele, mas ainda conseguia ouvir enquanto atravessava a sala em direção à porta. Quem ele tinha virado? Aliás, quem tínhamos virado? Ele nunca havia falado comigo assim antes. Mas, veja só, eu era o namorado dele, não só mais alguém que ele conhecia. E, bem, eu nem sabia se ele ainda me conhecia. Difícil. Mas difícil ainda por ele ter aquele jeito sonso de fingir não sentir nada.Foi assim quando a irmã dele, Júlia, ligou pra saber como ele estava depois de uma briga horrível. Ele nunca me dissera o motivo. "Tudo bem, Júlia. Já passou, ok?". Idiotice. Isso não resolve nada. Teatro infantil de quem não sabe lidar com a vida, nem com a raiva. Conformismo.Hipocrisia minha. Eu tinha feito a mesma coisa no almoço com a minha família, dia antes. E em todos os almoços em família durante, o quê? Cinco anos? "E as namoradinhas?". Eu odiava ouvir isso. Era como se quando essa frase ecoasse, instantaneamente surgisse um Warning na minha cabeça dizendo: "despreparação psicológica familiar, gerada por uma sociedade machista e homofóbica, à frente".* * *Eu não podia acreditar no que tinha acabado de acontecer. Nós dois, dividindo o mesmo ar de novo, e, nada. Absolutamente nada. Era quase inacreditável. A única coisa no ar, além do meu desespero, era o cheiro de cigarro. Que ótimo.

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